Remoinho poético

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Percorrem os dedos trépidos
sem-nomes confins.

Às pedras, cOnToRnOs dialéticos;
às flores, aromas ciganos.

Da gênese ao apogeu
gozo e poiesis.

Lou Vilela
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Metasaudade



Se saudade é abstrata,
Palavra inexata
Essa eu desconheço
Pois a saudade da qual padeço
Tem corpo, tem peso
Tem gosto de sal
Ora sintagma coeso
Ora texto de chanchada nacional.
Conjunção dos sentidos, sobrenome
Que a meus predicados consome.
Saudade minha, exclusiva,
E ainda assim, plural.
E a tua saudade imprecisa
Mora em que tempo verbal?

Moni Saraiva

In Palavração - III Coletânea Scriptus, 2011.

des_pudor


"memórias são trilhas
que a mata densa e invasiva da vida cotidiana

encobre lentamente"

Nydia Bonetti,
in fragmento de Geografias.



encontrava-se exausta
suave mente embriagada

a música a envolveu
de um jeito...

se romperam os receios

as anáguas que despem
[ vestem ]

seu pudor...



hercília fernandes



*Arte localizada no blog Branco no Branco.

Pétala


se ela fosse

rainha:
rosa

princesa:
tulipa

fidalga:
lírio

plebeia:
jasmim

: formosa
em qualquer jardim



*Mutação *

tela: anjo torto- Gabriela Bouechat

ainda que eu busque contemplar o belo
a imagem do espelho me revela
um ser em transformação
momento único, singelo
mutação

cuidados me consomem
dor aguda de pérola
forma estranha no recôndito da ostra
onde segredos se aninham e dormem
deserto que na concha se prostra

quero desbastar certezas
(nada é mais incerto que viver)
agigantar o olhar sobre a pequenez
quebrar defesas
encarar as vigas da tez

nada me distrai das indagações
que fermentam em mim
dos pensamentos em ondas revoltas
até a arrebentação... por fim

Úrsula Avner

Da ode à Eva


ave Eva,
cheia de curiosidade,
o senhor é convosco (ou não?),
bendita sois vós entre os humanos
e bendito é o fruto que comestes,
proibido.
mulher Eva,
cria de deus,
rogai por nós,
sedentos de saber,
agora e na hora
de nossa expulsão do éden, amém.



“(...) grande pecado maior de não ousar o supremo
pecado, para se constituir humano e só, 
e divisar a face una e resplandecente, no
abismo oposto, que é feito de luz e de perdão!”
[Lúcio Cardoso, Crônica da Casa Assassinada]

"Não há outro pecado além da estupidez."
[Oscar Wilde]

Do falo à fala

.
Tela de Vicente do Rego Monteiro


Meio loucas, meio santas
Rimam alternância
                            Lua
                                Sol

Meio putas, meio mantras
Freud em si
                    Menor
                             Bemol

Da penumbra à(o) Alvorada
Fiam rapadura
        Dão a cara à tapa
                 Parem rouxinol


Lou Vilela 
in Nudez Poética
.

Chá de desilusão...



Tela de Eleanor Mccaughey




Um bule de pranto ainda quente

vertido na porcelana fria...

Tisana de desencantos

e um coração trincado

sorvido aos goles



 (Wania Victoria - Encantaventos)










requerimento


(...) Sou bandida
Sou solta na vida
E sob medida
Pros carinhos seus
Meu amigo
Se ajeite comigo
E dê graças a Deus.(...)
Sob Medida - Chico Buarque


Já houve tempo bastante
Completamos dois verões
E o meu amor absoluto
Hoje é verso incessante:
Quero o amor em estado bruto
Que ignora estações.
É o coração buliçoso
Que noves-fora o gozo
É na medida teimoso
Pra reinventar direções.

Moni Saraiva

In Palavração - III Coletânea Scriptus, 2011.

bandeirianas



de nina nizzi


Nina Rizzi, Palavra, Cardíaca Palavra. 2005.


bandeiriana, pensando em anna akhmatóva

é certo que ela virá
manto negro a lhe cobrir
os olhos, lábios

e perguntas, ó porque
não antes de nina?
*

bandeiriana, pensando em catarina mina

na prima hora estava apaixonada
e me amaram.

da segunda vez, não me viram:
eu estava amando e doída. o que interessava
era a minha pobreza pra que
se pudesse lambuzar, ser além da lama.
*

bandeiriana, pensando em e. bishop
outra arte:
vê-la a cada dia

- sempre me interessei por seu corpo
sua cara amassada.
*

bandeiriana, pensando em estrigas

falta água na casa
são 00:41, todas as bodegas fechadas
fosse dia, não era solvência no sertão.

vinte comprimidos se me oferecem
tivesse água, não alucinava
era quase, naïf e fractais.

amanhece, como sequência
da ordem natural das coisas.

água, água
um copo, tormenta.
*

bandeiriana, pensando em ratzel

almofala, almofala
quanto de ti falam.

quem te chamara linda,
não me via os olhos d'água

- ria.
*

bandeiriana, pensando em sinhá d'amora

minha sala tântrica de dormir
à entrada da praia.

ali levanto, ali me deito:

marias oceânicas, maresias atlânticas.
sombras do futuro, lombras de luanda.

o teto e o pára-peito.
*

bandeiriana, pensando num mestre de bateria

claro que é amor. são flores que despencam por entre os espinhos
prometendo a chuva-chuva.

é que se acostumaram seus olhos de tanto ser-tão.
e se apaixonam por uma margaridinha que interrompe o cimento-candango

uma alegoria pra nós.
sobrevivemos às injúrias e vilezas. acostumamo-nos.

sim, eu tenho florezinhas nos bolsos. roubei-as da tua parede.
apaixonemo-nus.
*

bandeiriana, pensando em artemisia gentileschi

meus sujos cactos sobre o balaústre da sacada.
de tudo que sentem, só podia ser a areia,
a maresia implacável, um vento leste.

contudo, um bafio ancestral lhes abate pelos espinhos.
sambaqui, água. sertão e litoral
adentro, em derrame. poeira e caos.

meus sujos cactos sobre o balaústre da sacada.
confundem-se com a melodia afônica da minha vidinha civil.
*

bandeiriana, pensando em cecília m.c.

te chamasse irmã, irmão, que sabia eu
além da palavra encardida, a primeva verdade?

te chamasse irmão, irmã, saberia aquém
o eu te amo como um pássaro morto?

te chamasse e aceitasse, amor,
tudo ia e vinha, belobelo, água forte.

uma rua de auroras, união
de todas as verdades. belas, ásperas. in-findas.
*

O silêncio onde vela mar


Escolhe teu diálogo
e tua melhor palavra
ou teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade,
in fragmento de "O constante diálogo".


 Arte: Marc Chagall


a
s palavras mais belas
vieram turvas alíneas
também as cores
das coisas que não ousamos
verbo criar

toda expressividade
se revestiu de silêncio
assim como os sonhos
possivelmente críveis
à mercê das ondas
onde vela mar


Hercília Fernandes,
in “Vela Mar”.



*Poema integrante do livro “Nós Em Miúdos” que encontra-se em fase final de organização. A obra conta com prefácio escrito pelo poeta Lau Siqueira, cujo artigo “Hercília Fernandes e as Iluminuras do Silêncio” apresenta-se disponível para leitura no blog "Pele sem pele". Confiram!

Elementar


De que é feito o poeta?

De matéria
etérea
ou concreta?

Do fato
que vivencia
ou da utopia
que projeta?

Ele é feito
de sopro
ou de barro?

Ele habita
o corpo
ou a alma?

O poeta levita
ou mergulha?

A escrita
lhe é fagulha
ou despiste?

O poeta acredita
que existe?




Publicação especial para Hercília Fernandes,
que se serviu deste poema, hoje, para inaugurar
Devaneios sobre o devaneio no Facebook.

In Maria Clara: universos femininos, 2010, p. 181.

* quando se abre a flor *

vestes de um novo tempo

cobrem a nudez do chão

revelam a dança do corpo


trepida paixão incólume


deliram flores folhas


e o corpo se contorce


estende-se raio de sol


até a noite sentir vontade


de valsar em vestes claras


Úrsula Avner

* em homenagem ao meu novo amor...

Do ido.

Jenni Penni

fervilham em mim
lembranças tuas
: olhos alma boca voz
pernas cheiro peito
falo: meu desejo
ainda é tão grande
quanto a saudade que
a tua falta me faz.

21/05/2011

Talita Prates - Historia da minha alma

Gravidez

Em cavalos alados
a mensagem:
ele vem.
A barriga pulsa
porque os anjos voam.

Ela aquece o ventre
como quem reza.
Cruza pontos
fio a fio.
Nascer é bordar
a vida.

Recebe o nome do pai
e a poesia da mãe.
Crescerá nas entrelinhas...
entre a agulha e a cor
a alegria ou a dor.

(3ºlugar no concurso da Univ.Fed.Sao Joao del Rei)

A poesia e o mito


 
Edward Burne-Jones - Pan and Psyche



Conteve a poesia
com mãos de quimera:

soprou-lhe aos ouvidos
olhar sustenido
fina flor pagã.

Lou Vilela
in Nudez Poética



* Livre adaptação do mito de Pã.

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Provence...




Sopra o mistral

desabotoando as casas do tempo

As cigarras cochicham segredos

que só as pedras sabem ouvir

Os Anjos banham-se em lavanda

E o sol vem escrever na lousa anil

a história de cada dia...


Aqui o Criador ainda sorri!

[e eu também]



(Wania Victoria)