ou...
"Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda”...
Vênus - Diego Velázquez
Desejo, por um anjo, o que me é dado:
a morte do desejo que se doa,
um anjo que por mim foi desejado.
Não seja, porque esbanjo o dom à toa.
Eu tanjo o meu cordame de coitado,
com o peito condoído, que destoa
do tom, em desacordo ao acordado.
Da corda vem o sangue que me escoa.
É a pena angelical que me depena
do bem e de meus bens, e já não tarda
não prive mais do mal que me condena.
Eu creio que me resta com que eu arda
solando nos infernos, numa cena
ao anjo do desejo, que me guarda.
Estraga prazer
(notas de explicação que ninguém pediu...)
O conflito entre o eu e o mundo, a intensidade nos apelos da carne, a brevidade da vida, a fugacidade do sonho, os embates dualísticos e as inquietações humano-existenciais são algumas das temáticas que a Literatura Barroca (XVI-XVIII), sobretudo em suas formas poéticas, desenvolvera dentro do gênero lírico.
No Brasil um dos maiores representantes do Barroco fora o baiano Gregório de Matos (1633-1696), “o Boca do Inferno”, que proponha, em sua lírica amorosa, a plenitude dos desejos em contraposição a lírica idealizada da Renascença.
Segundo Pellegrini, em sua vertente amorosa, o poeta “louva a mulher, conforme a tradição lírica anterior, só que trata da mulher desejada, não apenas platonicamente idealizada, de quem se solicita a companhia para aproveitar os prazeres da vida” (in: Palavra e Arte, 1996, p. 264).
Essa argumentação pode ser vislumbrada em o soneto A mesma D. Ângela, onde Gregório de Matos desenvolve, metaforicamente, duas imagens referentes à mulher, realizando trocadilhos entre nomes e estabelecendo antíteses entre Anjo e Demônio - embora esta última imagem não apareça claramente explicitada.
A profanidade na imagem feminina se percebe exposta em o soneto Angélica, do poeta Henrique Pimenta. No texto, o eu-lírico desmistifica a divinização do feminino e evoca a plena satisfação dos desejos; propondo uma inversão de valores ao afirmar em versos que tanje o seu “cordame de coitado”, considerando que é “a pena angelical que [lhe] depena”, por isso mesmo não mais lhe seja privado “o mal que [o] condena”...
No próximo sábado, o quadro "Postagem Simplesmente Poesia", assinado pela Maria Clara, será realizado pela poetisa Nina Rizzi.