Enluarada...


“Viajante de Vento” de Madu Lopes



Eu sou enluarada

Faço um barco

De uma sombrinha virada

Um bule de chá, um gato

Três margaridas e uma mala errante

Mala cheia de lembranças

Que a memória dobrou

Em noites de coração minguante



Um passarinho que não cala e uma bengala

[nunca se sabe, vai que resvala]

Me largo no mundo até nova parada

Da lua não me solto, por nada

Minha amiga, confidente das madrugadas

Tem de tudo, uma visão privilegiada



Se me sinto sozinha

Com as estrelas, romanceio

a poesia enciumada, chega junto e proseia

Se a dor me esvazia

Vem logo o vento me soprando maré cheia



Carrego uma gaiola aberta,

[Prisão, seja qual for, é tão deprimente]

E um relógio sem corda,

[Me guio pelos girassóis somente]

Amanheço sempre Sol

Se Durmo em quarto crescente



by Wania Victoria



na pia espuma branca

belo horizonte

as montanhas me cobrem os olhos tão longe
e a noite com suas sombras negras não me deixam ver mais
tem os cabelos nascidos para o sol sua lucidez me perturba
na pia espuma branca com pontos negros e cheiro de lavanda
limpo tudo o sabonete no chão
não posso mais compartilhar suas manhãs
seu cheiro misturado ao vapor do espelho
nem a pasta de dente sem tampa
está tão perto
mas não de mim

Viver?



Matisse-nua azul



Preciso imaginar a natureza. Já que não posso vê-la.

Preciso lembrar como era o amor. Se já brotava em dor...

Preciso saber como se faz para sorrir. Esqueci!

Preciso saber quem sou agora. Já que de mim, me perdi

Preciso inventar uma vida, onde os valores enfim,

possam renascer do nada, que deixaram num cantinho

de uma alma inexistente, por não saber do carinho.

Preciso aprender como se faz um laço,

Pois esqueci o sabor e o calor de um abraço.

E é assim caminhando nesse fio que acaba em nó

Que a existência se faz


S

Ó



Postagem simplesmente poesia (20)



LOU VILELA, A MENSAGEIRA DO VENTO





Hoje, 14 de março de 2010, é um dia especial para todos aqueles que se dedicam à atividade poética. Para nós, integrantes do Maria Clara: simples mente poesia, o 14 de março contém um sabor memorável, comporta duplamente poèisis: além de ser o "dia nacional da poesia", é a "data natalícia da querida poetisa Lou Vilela".
Lou Vilela, natalense de origem e residente na cidade do Recife-PE, é poetisa de grande sensibilidade imagística e habilidade semântica. Posta, regularmente, poemas e breves textos em prosa em seu espaço virtual Nudez poética, direcionado à acepção literária adulta. E desenvolve, na Blogosfera, um trabalho voltado ao leitor infanto-juvenil, especialmente às crianças, no blog Ritmos e rimas. Vejamos alguns traços de sua poesia.
Uma das qualidades da voz poética de Lou Vilela é a expansão - em versos oníricos, breves e musicais -, de temáticas profundas e ambíguas. A poeta, fazendo da “pena moinho”, anuncia/denuncia a vida das "gentes esquecidas” espalhadas à margem do tecido social. Nordestinos, mulheres, crianças são protagonistas em seus versos, oferece voz a grupos considerados “minorias”; muitas vezes expostos a múltiplas violências nas práticas sociais cotidianas.
Essas considerações podem ser apreciadas em os versos de Simbiose e Um conto sem réis. Leiamos os dois poemas:

em terra seca
de ninguém
sou nada

imprescindo d’água
e na face inundada
provo das gentes

meu sertão..., mal cabe na garganta:
as gentes, escorrem-me pelos dedos
(in: Simbiose).


***

Naquele pardieiro
ecos paredes rachadas
de risos de bocas
esfomeadas
vazamentos incontidos
profundo (a)mar
(in: Um conto sem réis).

Os poemas de Lou Vilela, além de profundidade temática, contêm intensidade lírica e apresentam belas imagens femininas associadas a contextualizações, metalinguagens, ambiguidades e sinestesias várias. Onde transbordam, em versos sugestivos e sensuais, frescores que remetem ao atordoamento e, por isso, alagam/alargam sentidos. Sensações que se podem experimentar a partir de os versos de Reflexos:

é esse teu olhar invasivo
que atordoa...

essa tua tatuagem olfativa
que embriaga...

tuas unhas que marcam,
tua saliva que cura.

são os teus trejeitos que ins.piro,
os teus trajetos que invado
entre mentes dentes dedos e falo.

enquanto transbordas
me alago.
(in: Reflexos).

No tocante à poesia infantil, a voz de Lou Vilela desenvolve temas como a dor, a perda e a morte; o cotidiano das crianças com suas brincadeiras, jogos e linguagens; a natureza e a temática animal; além de assuntos pertinentes à vida de um ser em desenvolvimento, como a alimentação.
Por meio do jogo e do ludismo, da imagística, da simplicidade na linguagem, da rima e figuras sonoras, a poetisa expande valores que se apresentam coerentes a um leitor em formação; e convida a criança a adentrar no mundo das letras, da imaginação e a construir conceitos.
Através do sentir/fazer poético, Lou Vilela propõe jogos de linguagem e desafios semânticos que contribuem para inquietar e remeter os leitores à plurissignificação textual, promovendo a construção de sentidos através do desvendar de pistas, combinações, sugestões de signos e imagens.
A sua poesia infantil oferece espaço para a livre significação, o que demonstra o respeito da autora às especificidades e à imaginação da criança; apresentando-lhes temas que, sem imposições moralísticas, portam consistência nos conteúdos de mensagem que, poeticamente, levam à reflexão das coisas existentes na natureza física e social-humana.
Leiamos mais dois poemas de Lou Vilela. Neles, a poetisa sopra belas imagens ligadas à natureza e se apresenta à criança - também ao leitor adulto - como "mensageira do vento"; anunciando a função da poesia e do poeta. E, posteriormente, convida o leitor a pensar a morte e a perda, valores que perpassam a vida humana:



vem pulsar uma viola sob
noite enluarada,
ouvir grilos, vagar lume?

há dias em que até as pedras
cantam poemas: a natureza
explode em exuberância!

e o poeta (in)venta
: faz da pena um moinho.



............................................a Gabriel, in memoriam

O vovô de Iago,
Mateus e Aninha
fechou os olhinhos,
esqueceu a idade:

partiu sem adeus,
sem mochila...
na hora de fazer
traquinagem.

No céu uma estrela
que brilha e acena.
Sorrindo, encena
deixando saudades.



Notas:

[1] Texto escrito por Hercília Fernandes.
[2] Arte: Catavento, de Luciana Teruz (Brasil, 1961).
[3] Poemas extraídos dos blogs da autora: Nudez poética e Ritmos e rimas.
[4] Foto: Lou Vilela.
[5] Texto revisitado em 16 de março de 2010.