Postagem Simplesmente Poesia (19)


Poesia na escola


Substitui uma professora essa semana na disciplina de "Literatura na Escola". Fiquei pensando várias coisas que têm implicação aqui nos nossos blogs, por exemplo: quem é o nosso leitor? E, principalmente, como nos preparamos para sermos leitores de poesia? A primeira pergunta é mais fácil de ser respondida: somos nós, os autores, leitores de nossos poemas. Por uma razão clara, todos publicamos e divulgamos o nosso próprio texto. A segunda pergunta é um pouco mais complexa, e remete à escola e toda a problemática por trás.A experiência tem mostrado que a poesia não recebe espaço adequado nas aulas de leitura na escola.É um gênero literário cujas características são das mais variadas, podendo lançar mão de recursos semânticos, sintáticos e prosódicos.Especialmente nas séries iniciais, as rimas podem ser um recurso não apenas didático como também lúdico. A poesia infantil de Vinícius de Moraes cumpre essas duas funções, pelo menos.

O pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo

No entanto, pouco se tem visto professores com um trabalho regular com relação ao uso de poemas como método de ensino. Esse pouco investimento se dá na maioria das vezes em razão do prestígio que outros gêneros ocupam. Ela carece, portanto, de um olhar mais atento no que diz respeito às suas possibilidades e ganhos para os alunos.No ensino fundamental, por exemplo, a poesia deveria ser muito mais explorada. O trabalho de análise pela estilística e a própria sonoridade poderiam muito bem ser aproveitados para uma pedagogia diversificada, onde a valorização não acontece apenas pelo lirismo da obra, mas pela riqueza enquanto potencial de conteúdo. Veja no poema de Sérgio Capparelli (uma discussão sobre bullying, por exemplo).

Não xingue de porca a porca
Ela vai ficar zangada.
Nem diga "deu zebra" à zebra,
Para não ter zebra zebrada.
Ó lesma, não digaa à lesma,
Mesmo estando atrasada.
E burro, não diga ao burro,
Vai fazer uma burrada.
Mas és um estouro, diga à bomba,
ela explode de risada.

O pouco uso de poesia em sala de aula está ligado à sua circulação na sociedade atual. Há tentativas de resgate através de saraus e jograis, cantadores e repentistas e da musicalização de poemas. No entanto, são movimentos esparsos que não afetam a escola a ponto de interferir no ensino de massa. Os tantos blogs de poetas contemporâneos poderiam ser aproveitados para esse trabalho. Veja no poema infantil de Úrsula Avner como um trabalho de alfabetização pode ser feito.

Aranha escala a parede
arranha o teto
tece sua teia
É tiro certo
quando cai em sua casa um inseto
A aranha engole
o coitado do bichinho azarado

Porém, esse parece ser ainda um espaço invisível ao professor, tanto pela pouca divulgação dos blogs, como pela dificuldade tecnológica. Não obstante, a leitura como atividade social já é um problema a ser enfrentado em nosso país. A poesia, nesse caso, é mais uma conseqüência da pouca literatura do povo. Além disso, o que se nota é que a poesia aos poucos se afasta do cotidiano rumo `as academias, tornado-se manifestação de uma elite cultural que se quer responsável pelo saber. A maioria de nós, escritores de blogs poéticos, somos professores. O texto poético continua inacessível à maioria. Mas, se por um lado, o texto poético tende a ter um leitor específico, por outro lado é papel da escola formar esse leitor. Assim, voltamos ao início, qual é a medida de poesia na escola? Gostaria que a resposta fosse positiva, mas seu status, infelizmente, não é.

Tempo (quando eu fizer 40 anos)

A mim que desde a infância venho vindo
como se o meu destino
fosse o exato destino de uma estrela
apelam incríveis coisas:
pintar as unhas, descobrir a nuca,
piscar os olhos, beber.
Tomo o nome de Deus num vão.
Descobri que a seu tempo
vão me chorar e esquecer.
Vinte anos mais vinte é o que tenho,
mulher ocidental que se fosse homem
amaria chamar-se Eliud Jonathan.
Neste exato momento do dia vinte de julho
de mil novecentos e setenta e seis,
o céu é bruma, está frio, estou feia,
acabo de receber um beijo pelo correio.
Quarenta anos: não quero faca nem queijo. Quero a fome.


Este poema é de Adélia Prado. Achei muito oportuno para essa semana
que completo a idade emblemática dos 40 anos. Não tenho problema algum, aliás, em revelar minha idade. Estou entrando naquele momento de vida em que não se tem mais vergonha do mundo.

Era uma vez...



Meu poema
é um tumulto:
a fala
que nele fala
outras vozes
arrasta em alarido

(Ferreira Gullar)




Melhor assim!
Cedo ou tarde
me seria necessária.
Quero um vestido
de manhãs ensolaradas
e sapatos alados.



Naquela noite
serviram-se do melhor vinho da adega.

Era cedo, muito cedo para embriaguês.
E tarde - indiscutivelmente tarde -
para qualquer barulho.

Balbucios distraídos renderam-se
a Baco e a noite, silente e cálida,
pariu suas estrelas, testemunhas
de mundos distintos sem chão.




Espantei os fantasmas
destilei cicuta
um cretino
instigando, dis.puta!


Era tarde, chorei...
exorcismos, re.versos
ao avesso me vi
divino-perverso.


Mergulhei em esgoto
quebrei o mosaico,
uma vida fingida.


Cedo ou tarde, parti...
na mala um uivo
e um punhal
de saudades.



Era uma vez...




Lou Vilela in Nudez Poética
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