por cima de ervas & pedregulhos
Amavam-se por adição
Na cama subtraíam as diferenças
Dividiam os prazeres
Multiplicavam os gozos
A relação não durou...
Ele se envolveu com a Álgebra
E mudou seu logaritmo
Ela nunca o perdoou por isso
Seu coração ficou partido em frações
Potencializou a raiva por muito tempo
E até hoje não conseguiu extrair a raiz do problema
Wania, in: Encantaventos
meu coração é 4X4
simples puxadinho em morro
................................................condenado
...........................mesmo quando desmorona
.............................sempre cabe mais um
em vão ensolarado
.............................................amor feijão com arroz...
Hercília Fernandes, in: HF diante do espelho
Camilo quis sinceramente fugir, mas não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo. Fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.
Machado de Assis, in: A cartomante.
Estraga Prazer
(notas de explicação que ninguém pediu...)
Dentre as temáticas que compõem a literatura brasileira destaca-se a trama do “triângulo amoroso”.
Um dos escritores brasileiros que mais desenvolveu o tema foi Machado de Assis (1839-1908), que analisara os conflitos humanos, as máscaras sociais, e os embates entre os valores e convenções da sociedade brasileira no século XIX aos dilemas e apelos do amor sensual.
Essa realidade pode ser observada em o conto-romance Dom Casmurro, onde Machado desenvolve todo um jogo ficcional-narrativo entre os valores cristãos burgueses e os conflitos provenientes do amor romântico.
Através das ânsias e ações das personagens Bentinho, Capitu e Escobar, o escritor coloca em xeque as convenções sociais comuns à sua época; que impunham arranjos de casamento entre famílias por interesses comuns e não por laços de afetividade.
No conto A cartomante, Machado também desenvolve a trama do triângulo amoroso. Por meio das personagens Vilela, Rita e Camilo, o escritor apresenta perfis psicológicos densos e situações intensas acerca das relações entre gênero e, especialmente, da imagem feminina.
Na obra machadiana é comum a aparição de personagens mulheres dissimuladas, interesseiras, traiçoeiras, oblíquas... o que demonstra a visão patriarcal-cristã da época que confere ao feminino os atributos de Eva e/ou serpente...
Para Luft (1991), o escritor transfere às personagens femininas os seus próprios problemas existenciais: ambição, desvencilhamento com o passado, peso da hierarquia social... Esses conflitos se podem observar nas personagens Guiomar e Helena, ambas da primeira fase do escritor: a romântica.
Por outro lado, segundo destaca Bergamini (2008, p. 2), “o escritor via a mulher como um elemento social que maneja e comanda, sendo astuciosa e cerebral, divergente, nesse ponto, da mulher romântica”.
Essa última observação condiz à segunda fase do autor: a do realismo. Nessa fase destaca-se o autor analista, observador, frio no raciocínio, na exposição de fatos que “retrata a mente humana”, analisando-a com ironia e humor (LUFT, 1991, p. 578).
No tocante à temática do triângulo amoroso, Machado
Para Bergamini (2008), devido Machado desenvolver a trama em uma temporalidade psicológica acaba por provocar a ambiguidade, levando o leitor a dúvidas sobre os fatos; tendo em vista que: “O conto mostra como o desejo pode abrir brechas em situações de opressão. Nada acontece objetivamente entre os dois” [entre Capitu e Escobar]. Todavia, “onde nada aconteceu, tudo pode estar acontecendo subjetivamente” (BERGAMINI, 2008, p. 11).
Já
Também na poesia, a temática do triângulo amoroso é bastante explorada pelos poetas. Conforme se pôde ler no poema ordi(bi)nário, da poetisa Wania de Porto Alegre-RS, a relação entre amantes é descrita como harmoniosa até entrada de uma terceira pessoa, ou melhor de uma "Álgebra", no poema-equação surgindo conflitos entre pares que nem sempre podem encontrar “a raiz do problema”...
Em o texto amor 4X4, evidencia-se também a expressão sutil de uma situação triangular, onde a escrita poética acena para os dilemas humanos em razão das intempéries amorosas.
Em ambas as situações, o que se percebe é que os sentimentos, sensações e analogias realizadas pelas vozes líricas apontam para-além das aparências e revelam, “por cima de ervas e pedregulhos”, a própria obliquidade inerente à condição humana.
Referências
BERGAMINI, Denise Lopes. As mulheres no conto de Machado de Assis. In: Darandina Revista Eletrônica. Programa de Pós-Graduação de Letras – UFJF, v. 1, n. 2, 2008, p. 1-17.
LUFT, Celso Pedro. Novo Manual de Português: Redação, Gramática, Literatura, Ortografia Oficial, Textos e Testes. São Paulo: Editora Globo, 1991.
MACHADO, Assis de. A Cartomante. In: ______. 50 contos. Machado de Assis. Seleção, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Companhia das letras, 2007.
*Artes disponíveis no Google Imagens.
**Texto escrito por Hercília Fernandes.