Postagem Simplesmente Poesia (15)


por cima de ervas & pedregulhos




ordi(bi)nário


Amavam-se por adição

Na cama subtraíam as diferenças

Dividiam os prazeres

Multiplicavam os gozos


A relação não durou...

Ele se envolveu com a Álgebra

E mudou seu logaritmo


Ela nunca o perdoou por isso

Seu coração ficou partido em frações

Potencializou a raiva por muito tempo

E até hoje não conseguiu extrair a raiz do problema


Wania, in: Encantaventos



amor 4X4


meu coração é 4X4

simples puxadinho em morro

................................................condenado

...........................mesmo quando desmorona

.............................sempre cabe mais um

em vão ensolarado


.............................................amor feijão com arroz...


Hercília Fernandes, in: HF diante do espelho




Camilo quis sinceramente fugir, mas não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo. Fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.


Machado de Assis, in: A cartomante.



Estraga Prazer

(notas de explicação que ninguém pediu...)


Dentre as temáticas que compõem a literatura brasileira destaca-se a trama do “triângulo amoroso”.

Um dos escritores brasileiros que mais desenvolveu o tema foi Machado de Assis (1839-1908), que analisara os conflitos humanos, as máscaras sociais, e os embates entre os valores e convenções da sociedade brasileira no século XIX aos dilemas e apelos do amor sensual.

Essa realidade pode ser observada em o conto-romance Dom Casmurro, onde Machado desenvolve todo um jogo ficcional-narrativo entre os valores cristãos burgueses e os conflitos provenientes do amor romântico.

Através das ânsias e ações das personagens Bentinho, Capitu e Escobar, o escritor coloca em xeque as convenções sociais comuns à sua época; que impunham arranjos de casamento entre famílias por interesses comuns e não por laços de afetividade.

No conto A cartomante, Machado também desenvolve a trama do triângulo amoroso. Por meio das personagens Vilela, Rita e Camilo, o escritor apresenta perfis psicológicos densos e situações intensas acerca das relações entre gênero e, especialmente, da imagem feminina.

Na obra machadiana é comum a aparição de personagens mulheres dissimuladas, interesseiras, traiçoeiras, oblíquas... o que demonstra a visão patriarcal-cristã da época que confere ao feminino os atributos de Eva e/ou serpente...

Para Luft (1991), o escritor transfere às personagens femininas os seus próprios problemas existenciais: ambição, desvencilhamento com o passado, peso da hierarquia social... Esses conflitos se podem observar nas personagens Guiomar e Helena, ambas da primeira fase do escritor: a romântica.

Por outro lado, segundo destaca Bergamini (2008, p. 2), “o escritor via a mulher como um elemento social que maneja e comanda, sendo astuciosa e cerebral, divergente, nesse ponto, da mulher romântica”.

Essa última observação condiz à segunda fase do autor: a do realismo. Nessa fase destaca-se o autor analista, observador, frio no raciocínio, na exposição de fatos que “retrata a mente humana”, analisando-a com ironia e humor (LUFT, 1991, p. 578).

No tocante à temática do triângulo amoroso, Machado em Dom Casmurro e em A Cartomante desenvolve as narrativas sob duas perspectivas. Em Dom Casmurro, o autor deixa à livre imaginação do leitor o desfecho da narrativa: a menina de “olhos de ressaca ou de cigana oblíqua e dissimulada” traiu ou não Bentinho? Eis um conflito que inquieta gerações de leitores!

Para Bergamini (2008), devido Machado desenvolver a trama em uma temporalidade psicológica acaba por provocar a ambiguidade, levando o leitor a dúvidas sobre os fatos; tendo em vista que: “O conto mostra como o desejo pode abrir brechas em situações de opressão. Nada acontece objetivamente entre os dois” [entre Capitu e Escobar]. Todavia, “onde nada aconteceu, tudo pode estar acontecendo subjetivamente” (BERGAMINI, 2008, p. 11).

em A Cartomante, o triângulo amoroso é descrito objetivamente por meio da voz de um narrador onisciente que descreve uma situação de adultério entre uma mulher casada que se apaixona pelo amigo de infância do marido. Entretanto, apesar do adultério consistir o centro da narrativa, para Bergamini (2008, p. 11), o triângulo amoroso é mais um pretexto para o escritor revelar os “dilemas da consciência, da relatividade dos valores, bem como das fraquezas morais a que todos estão sujeitos”.

Também na poesia, a temática do triângulo amoroso é bastante explorada pelos poetas. Conforme se pôde ler no poema ordi(bi)nário, da poetisa Wania de Porto Alegre-RS, a relação entre amantes é descrita como harmoniosa até entrada de uma terceira pessoa, ou melhor de uma "Álgebra", no poema-equação surgindo conflitos entre pares que nem sempre podem encontrar “a raiz do problema”...

Em o texto amor 4X4, evidencia-se também a expressão sutil de uma situação triangular, onde a escrita poética acena para os dilemas humanos em razão das intempéries amorosas.

Em ambas as situações, o que se percebe é que os sentimentos, sensações e analogias realizadas pelas vozes líricas apontam para-além das aparências e revelam, “por cima de ervas e pedregulhos”, a própria obliquidade inerente à condição humana.



Referências


BERGAMINI, Denise Lopes. As mulheres no conto de Machado de Assis. In: Darandina Revista Eletrônica. Programa de Pós-Graduação de Letras – UFJF, v. 1, n. 2, 2008, p. 1-17.


LUFT, Celso Pedro. Novo Manual de Português: Redação, Gramática, Literatura, Ortografia Oficial, Textos e Testes. São Paulo: Editora Globo, 1991.


MACHADO, Assis de. A Cartomante. In: ______. 50 contos. Machado de Assis. Seleção, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Companhia das letras, 2007.



*Artes disponíveis no Google Imagens.

**Texto escrito por Hercília Fernandes.


notas de verão sobre impressões de inverno

fotografia Serviluz sem Fronteiras, in: Overmundo


nina rizzi


: mas que direito tenho a aspirar à poesia menor — amores perros, fugidios, quando a minha saga é tão maior e bruta e o que me foge às mãos é um meio de subsistência?


talvez, caso fossem personagens russos, o frio — tão rotineiro —, lhes teria mais sentido. vivem nesse país tropical, na capital-solar, cidade quente da porra. têm o cartão-postal que qualquer rico invejaria, ah, barra do ceará, praia do futuro, ah! que não lhes serviluz.


vêem suas dignidades feridas, ao pedir o terceiro quarto do peixe que voltará ao mar feito lixo, doença de turistas branquelas. mas que remédio? pense na fome, cabra.


também russos se fossem, melancolia que só, não ousariam ostentar esse riso despreocupado, a mendicância displicente feito cabelos levados pela maresia, a mesma que os salva de dia e provoca os tremores noturnos. de frio de fome de vício.


essa moça, atrevida que é, fala em primeira pessoa. é que, ao contrário das outras, não espera num gringo os degraus que a fará galgar os cumes da gula. pós-de-arroz. não. coloca as cinzas inteiras na lata vazia e a-guarda num bocejo. abre a boca bem larga levando as duas mãos à face cerrando os olhos, como numa oração à morte asteca, índia, nordestina.


: nació para morir.


Bilíngue



[e por falar em formigas...]

O que posso dizer...

se tuas palavras não-ditas
vestiram-me, bilíngue, rosa partida
entrelaçada em flor
de sisal?

se há na tua língua um tropel de formigas
onde levantei broquel suicida
capaz de fundir
manancial?

O que posso dizer...

se todas as cores de Monet cegaram-me
a retina, traindo-me as narinas entre
surtos e silêncios
de Chagall?

se depois de vender flores, enfileirar
flamas em frascos de
silêncios assustadores
o resto me parece
completamente
banal?

mais...

por falar em formigas...