Clara: Caetano Velloso



Quando a manhã madrugava
calma alta clara
clara morria de amor.


Faca de ponta
flor e flor
cambraia branca sob o sol
cravina branca amor
cravina e sonha.


A moça chamava Clara
água
alma
lava
alva cambraia no sol.


Galo cantando cor e cor
pássaro preto dor e dor
um marinheiro amor
distante amor
e a moça sonha só
o marinheiro sob o sol
onde andará meu amor
onde andará o amor
no mar amor
no mar ou sonha.


Se ainda lembra o meu nome
longe
longe
longe
onde estiver numa onda no mar
numa onda que quer me levar
para o mar de água clara
clara
clara
clara
ouço meu bem me chamar.



Faca de ponta dor e dor
cravo vermelho no lençol
cravo vermelho amor
vermelho amor
cravina e galos.


E a moça chamada Clara
clara
clara
clara


alma tranqüila de dor.






Poema retirado do livro: Palavra & Arte: literatura, gramática, redação (1996).


Florbela Espanca


Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...



Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
é condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!



Eu ...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!



Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...




Textos extraídos do site “Jornal de poesia”: http://www.revista.agulha.nom.br/flor.html