Ela faz doce de figo
despeja a tristeza e as frutas
todas no tacho
Raspa a colher de pau em círculos
Com a delicadeza de quem afaga
Voltas e voltas
também dá seu pensamento
o vapor quente que se desprende
é névoa fina embaçando a realidade
no movimento lento
lembra dos corpos fundidos
nas tardes mornas daquele novembro
perfeitas engrenagens
azeitadas em suor e saliva
aumenta o fogo
incendeiam-se
a pele nunca queima
acelera o ritmo
apura o doce
o aroma da fruta se desprende
seu cheiro a beija em silêncio
seus olhos a descascam inteira
sua boca faz trilha nos montes
suas mãos juram-se no infinito
o ponto final se aproxima
mexe o tacho com mais força e rapidez
mais e mais e mais
derretem-se em um só
derramando-se pelas beiras
apaga o fogo
esfria o tacho
apronta o doce
em finos cristais de açúcar
passa cada figo
cada lembrança
cada arrepio
cada beijo
cada jura
passa também seu coração
cristalizando tudo
nos doces vidros da memória
(Wania Victoria)