Postagem Simplesmente Poesia (18)


Per Augusto & Machina:

tumulto e racionalidade em intimidade



1. é louco ser solene.

....é lúcido ser louco!


2. se tenho, como última morada

....o som caleidoscópico da vida

....carrego matrizes, almas sombreadas.


3. meu coração de cavalo, meu ato de terra

....surrado dos demônios, ímpio em desvario.


4. quando surge de mim, fiquei varrido.

....e meu estado de coisa correu solto!


5. qualquer ambiguidade tem um tônus

....que corta toda a alma pelo avesso!


6. a dor fecunda das hostes:

....vou retomar meus laços com a vida.


(Romério Rômulo in: Abertura 1, p. 13, 2009).


Esta semana, ao retornar de breve viagem, pude sentir a agradável emoção de ter em mãos o livro Per Augusto & Machina, do poeta mineiro Romério Rômulo, lançado recentemente pela editora Altana.

O livro me fora oferecido pelo próprio poeta, que, além de me ofertar a obra com uma deliciosa dedicatória, me encaminhou mais uma de suas criações poéticas: o livro Matéria Bruta, lançado também pela Altana, em 2006.

As obras apresentam notória excelência literária e evidenciam a grandeza imagística e estilístico-semântica do poeta na captação e reverberização dos fenômenos que permeiam a existência humana e a atividade poética.

Além disso, os livros comportam excelência na apresentação visual e gráfica, incluindo ilustrações que, além de enriquecerem o suporte material, contribuem para inquietar o espírito dos leitores durante a apreciação e ressignificação textual. O que demonstra o zelo e o respeito do artista, igualmente da editora, para com a arte poética; apresentando, aos leitores, um suporte de qualidade, criativo e arrojado, compatível à beleza intrínseca à criação literária do artista.

No tocante ao Per Augusto & Machina, o livro apresenta-se composto por poemas que se distribuem em 127 páginas e conta com belíssimo prefácio, intitulado “Uma poética implacável”, escrito pela professora, crítica literária e poetisa Maria da Conceição Paranhos. Leiam-se algumas das falas da literata voltadas ao processo de criação do Per Augusto & Machina:


Romério Rômulo se movimenta num universo de contrastes, em que a experiência vivida testa as realidades estabelecidas em favor de uma lucidez cada vez maior. Suas imagens inquirem as aparências em favor da essência do viver. [...] Desde o título, Per Augusto & Machina, o poeta des-capitaliza os vocábulos, quer rendê-los, observá-los e indagá-los sem mistificação, des-convencionando o arbitrário da língua. Por augusto e sua máquina, em favor de uma realidade mais real, em favor do homem-augusto, que assim grafado, adjetivado, nos remete a um ser humano restaurado à sua dignidade (in: Prefácio, 2009, p. 7).


Na obra, Romério Rômulo dialoga com o poeta Augusto dos Anjos e desenvolve, segundo Maria da Conceição Paranhos: “Temas recorrentes como a loucura, a corruptibilidade do corpo físico, a solidão, a morte buscam sua existência na linguagem, onde ganharão consistência e força de ataque, homem e cavalo” (in: Prefácio, 2009, p. 7).

Em abril deste ano tive o prazer de entrevistar Romério Rômulo em café literário virtual no Novidades & Velharias, cuja entrevista se desenvolveu, basicamente, em torno do Per Augusto & Machina; que, na época, encontrava-se em processo final de editoração. Na ocasião, uma das questões abordadas girou em torno da loucura. A partir dos versos “de quantas nuvens se faz uma loucura? / é construída a mão que bate o prego?”, pertinentes ao poema Uma bravura regenera a noite, interroguei Romério sobre a dialética loucura-racionalidade durante o instante criador, onde o poeta argumenta:


O criador, ou criativo, é aquele que foge do tom, que surpreende. Então, a loucura é um dado. Mas, e se eu consigo organizar essa loucura? O Oscar Niemeyer não organiza, faz prédios e cidades? Parece um contra-senso, um absurdo, e é. Mas, é real. Daí termos situações como o Rimbaud, que aos 19 anos se sentiu esgotado, ou o Niemeyer que, centenário, continua operando. Mananciais e construções, no caso, são diversos. Tumulto e racionalidade, aqui, são íntimos (in: Novidades & Velharias, 19 abr. 2009).


Hoje, lendo os poemas do Per Augusto & Machina em material impresso, a ideia central que me vem à mente, e, que de certa forma confirma minhas primeiras impressões de leitura, é que se delineia, no curso da obra, uma constante intimidade. Intimidade capaz de unir mundos aparentemente opostos, porém complementares: sonho e manualidade, vida e morte, imagística e historicidade, devaneio e intencionalidade; enfim, em o Per Augusto & Machina, parafraseando o poeta das minas gerais, “tumulto e racionalidade atuam íntimos e dividem mistérios”.


Notas


[1] Para saber mais sobre o poeta visite o blog Romério Rômulo e/ou leia a entrevista concedida ao Novidades & Velharias, em abril do ano corrente.

[2] Texto também postado em o blog Novidades & Velharias.


Referências

  • RÔMULO, Romério. Matéria bruta. São Paulo: Altana, 2006.
  • ______. Per Augusto & Machina. São Paulo: Altana, 2009.


hommo erectus

Mulata em rua vermeha, Di Cavalcanti. clique na imagem pra seguir rodando...



- és mulata? inquiria o europeu
entre olhos a brilhar e o queixo caiado.

e como não bastasse o beiço, carnadura lascíva;
os cabelos, carapinha em exuberância,
pôs-se a moça, largos dentes a umbigar.

- ai, que me enganaste! és preta pura, pai do céu!

e quedou-se a lundar, pecar equador abaixo...

único

**Poema inédito



Arte: Francielle


Ele inda longe...

mas não é ponte apartheid

distância é somente abismo geográfico

inalienável é esse amor sem fim

- poço profundo.



by hercília fernandes