A poesia feminina no divã ou o contrário?
tela: Nudez feminina reclinada no divã ( 1825-1826)
autor: Eugéne Delacroix
* Na surdina *
( Cris de Souza)
In: Trem da lira
O silêncio me habita
Não é meu esse delírioE nele me burilo
A rever gestos
Que se espaçam
Nesse mundo vadio
O silêncio me habita
Não é meu esse martírio
E nele me exilo
A romper restos
Que se esgarçam
Nesse fundo vazio
* Latente *
( Rita Costa )
In : Alma de Poesia
Quando mergulhei
no silêncio dos gestos
senti que pairava no ar
a essência do poema
E foi pela intenção oculta,
ritmada... dos versos
que, urgentemente, desejei
o cessar das palavras
Tela: Salvador Dali
* Parti *
( Taninha Nascimento )
In: No Rastro da Poesia
Sim, há uma ausência.
E como quem procura a lógica
saio ao encontro
da possível existência de mim.
Sem mais,
parti.
*Pensamentos de raiz *
( Úrsula Avner)
In: A Alma da Poesia
Sou planta de raiz profunda
caule cravado em terra úmida
o que sei de mim
é mera especulação
gotas que caem
no cochicho das folhas
na aridez do chão
na fluidez do vento da incerteza
no salivar da imaginação
* Itinerário do silêncio *
( Graça Pires)
In: Ortografia do Olhar
À espera de um momento de luz
retorno, sem hesitar, ao itinerário
secreto do silêncio e cultivo a solidão
multiplicando as sombras.
Peregrina de outras luas,
resgato a música
que me restou da infância,
como um sobressalto,
ou uma canção de embalar,
ou água fresca a ferir-me a boca,
de tanta sede.
Estraga prazer :
notas de explicação que ninguém pediu:
Caros(as) Leitores(as),
O objetivo da presente postagem, longe de pretender uma análise literária dos textos apresentados, é propiciar uma reflexão sobre a influência das manifestações psíquicas do inconsciente na linguagem poética feminina, à luz da psicanálise e da própria poesia, observando a interlocução entre os textos e as imagens da postagem .
Na piscanálise, entende-se que a linguagem do inconsciente se dá por meio de expressões metafóricas, observadas nos sonhos, chistes, atos falhos, entre outras manifestações psíquicas, que possibilitam a emergência de conteúdo latente. Na criação poética, a linguagem também é metaforizada e transmuta a realidade através das entrelinhas, das figuras ou símbolos linguísticos.
O(a) poeta(isa) deixa vir à tona aspectos de sua subjetividade, permitindo, assim como na psicanálise, que seja expresso, parte do que está oculto, submerso, tal qual o corpo de um iceberg, em que apenas uma pequena parte é vista sobre as águas, enquanto, a maior parte do bloco de gelo está oculto. Dentro de tal analogia, a parte maior é o inconsciente, enquanto a parte menor é a consciência.
Sigmund Freud, pai da psicanálise, entendia a poesia , entre outras formas de expressão artística, como "um domínio intermediário entre a realidade que nos nega o cumprimento de nossos desejos e o mundo da fantasia que procura sua satisfação."
Gaston Bachelard, filósofo, poeta, epistemólogo, tendo se aproximado da fenomenologia e da psicologia , considerava que a imaginação é a própria força criadora do psiquismo que se expressa por meio de um devaneio poético que exige disciplina : "poeta é aquele que fala no âmago".
Apesar das diferenças conceituais entre Bachelard e Freud, talvez se possa afirmar que ambos concebem a poesia como um modo específico de acesso ao inconsciente, ao lugar mais íntimo e misterioso do ser.
Na linguagem poética da notável escritora e poetisa mineira Adélia Prado, por exemplo, podemos contemplar a relação nítida entre a poesia e as questões do psiquismo no viés da psicanálise :
" Tinha vantagens não saber do inconsciente, vinha tudo de fora, maus
pensamentos, tentações, desejos. Contudo, ficar sabendo foi melhor,
estou mais densa, tenho âncora, paro em pé por mais tempo... Como um
pato sabe nadar sem saber, sei sabendo que, se for preciso, na hora H
nado com desenvoltura. Guardo sabedorias no almoxarifado. "
( In: Quero minha mãe - Rio de Janeiro: Record, 2005 )
" Aonde quer que eu vá, descubro que um poeta esteve lá antes de mim "
( Sigmund Freud )
Bibliografia:
* FREUD, Sigmund. Obras Completas. Ed. Standart Brasileira, 1974.
* GASPAR, Ana Maria Mendes. " O lugar da psicanálise na obra de Gaston Bachelard. " Lisboa: CFCUL. Tese de Mestrado em História e Filsofia das Ciências, 2008.
*http://www.consciencia.org/
* http://pt.wikipedia.org/
* sugestão de leitura do livro : "Quando nem Freud explica, tente a poesia!", de Ulisses Tavares. Ed. Francis.