A mulher e o Visionário



Metade Pássaro

A mulher do fim do mundo
Dá de comer às roseiras,
Dá de beber às estatuas,
Dá de sonhar aos poetas.

A mulher do fim do mundo
Chama a luz com um assobio,
Faz a virgem virar pedra,
Cura a tempestade,
Desvia o curso dos sonhos,
Escreve cartas ao rio,
Me puxa do sono eterno
Para os seus braços que cantam.


(Murilo Mendes. In: O Visionário, 1941).





A Mulher Verde

Quando a mulher verde
surgiu,
no meio do fogo que crepitava,
parecia-se mais com
a morte.

Seu uivo agudo, escuro,
escarlate,
fez lembrar manada de búfalos
quando foge.

O som do desespero:
a espera eterna
do eterno passageiro.

A mulher verde no
meio da
lareira,
fez lembrar
o afluente
do Rio Negro,
a trilha por onde
segue a madeira,
derrubada impropriamente,
rumo ao despenhadeiro.

A mulher verde,
em seu uivo e
em seu cheiro de
enxofre,
fez lembrar do verbo
quando sofre o sonho
ausente:

íris sem
olhos,
tronco sem
membros,
boca sem
dentes,
dorso membranoso como
o de um
lagarto;
timbre e dicção
de dar nos
nervos.




(Marcelo Novaes)