requerimento


(...) Sou bandida
Sou solta na vida
E sob medida
Pros carinhos seus
Meu amigo
Se ajeite comigo
E dê graças a Deus.(...)
Sob Medida - Chico Buarque


Já houve tempo bastante
Completamos dois verões
E o meu amor absoluto
Hoje é verso incessante:
Quero o amor em estado bruto
Que ignora estações.
É o coração buliçoso
Que noves-fora o gozo
É na medida teimoso
Pra reinventar direções.

Moni Saraiva

In Palavração - III Coletânea Scriptus, 2011.

bandeirianas



de nina nizzi


Nina Rizzi, Palavra, Cardíaca Palavra. 2005.


bandeiriana, pensando em anna akhmatóva

é certo que ela virá
manto negro a lhe cobrir
os olhos, lábios

e perguntas, ó porque
não antes de nina?
*

bandeiriana, pensando em catarina mina

na prima hora estava apaixonada
e me amaram.

da segunda vez, não me viram:
eu estava amando e doída. o que interessava
era a minha pobreza pra que
se pudesse lambuzar, ser além da lama.
*

bandeiriana, pensando em e. bishop
outra arte:
vê-la a cada dia

- sempre me interessei por seu corpo
sua cara amassada.
*

bandeiriana, pensando em estrigas

falta água na casa
são 00:41, todas as bodegas fechadas
fosse dia, não era solvência no sertão.

vinte comprimidos se me oferecem
tivesse água, não alucinava
era quase, naïf e fractais.

amanhece, como sequência
da ordem natural das coisas.

água, água
um copo, tormenta.
*

bandeiriana, pensando em ratzel

almofala, almofala
quanto de ti falam.

quem te chamara linda,
não me via os olhos d'água

- ria.
*

bandeiriana, pensando em sinhá d'amora

minha sala tântrica de dormir
à entrada da praia.

ali levanto, ali me deito:

marias oceânicas, maresias atlânticas.
sombras do futuro, lombras de luanda.

o teto e o pára-peito.
*

bandeiriana, pensando num mestre de bateria

claro que é amor. são flores que despencam por entre os espinhos
prometendo a chuva-chuva.

é que se acostumaram seus olhos de tanto ser-tão.
e se apaixonam por uma margaridinha que interrompe o cimento-candango

uma alegoria pra nós.
sobrevivemos às injúrias e vilezas. acostumamo-nos.

sim, eu tenho florezinhas nos bolsos. roubei-as da tua parede.
apaixonemo-nus.
*

bandeiriana, pensando em artemisia gentileschi

meus sujos cactos sobre o balaústre da sacada.
de tudo que sentem, só podia ser a areia,
a maresia implacável, um vento leste.

contudo, um bafio ancestral lhes abate pelos espinhos.
sambaqui, água. sertão e litoral
adentro, em derrame. poeira e caos.

meus sujos cactos sobre o balaústre da sacada.
confundem-se com a melodia afônica da minha vidinha civil.
*

bandeiriana, pensando em cecília m.c.

te chamasse irmã, irmão, que sabia eu
além da palavra encardida, a primeva verdade?

te chamasse irmão, irmã, saberia aquém
o eu te amo como um pássaro morto?

te chamasse e aceitasse, amor,
tudo ia e vinha, belobelo, água forte.

uma rua de auroras, união
de todas as verdades. belas, ásperas. in-findas.
*

O silêncio onde vela mar


Escolhe teu diálogo
e tua melhor palavra
ou teu melhor silêncio
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade,
in fragmento de "O constante diálogo".


 Arte: Marc Chagall


a
s palavras mais belas
vieram turvas alíneas
também as cores
das coisas que não ousamos
verbo criar

toda expressividade
se revestiu de silêncio
assim como os sonhos
possivelmente críveis
à mercê das ondas
onde vela mar


Hercília Fernandes,
in “Vela Mar”.



*Poema integrante do livro “Nós Em Miúdos” que encontra-se em fase final de organização. A obra conta com prefácio escrito pelo poeta Lau Siqueira, cujo artigo “Hercília Fernandes e as Iluminuras do Silêncio” apresenta-se disponível para leitura no blog "Pele sem pele". Confiram!