Postagem Simplesmente Poesia (17)


Sem chegar...



A grande maré de azar


Maré imunda,

encardida,

de infortúnios –

onde eu navego

e navego,

sem a nenhum lugar

chegar.


Eita, maré de azar.


by Bina Goldrajch


pessimismo


caminho o mundo feito caranguejo

eternas são as voltas ao ângulo de partida

onde o porvir nasce lateral e arcaico


não é fácil destituir ponto determinado

não é fácil enfrentar feras e feridas

não é fácil tornar luxo pardieiro


às vezes, sinto-me sem chão, sem seio

e meus dias, espero contados...


by Hercília Fernandes



Lembrança de morrer

(fragmento)


Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poento caminheiro

— Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro.


by Álvares de Azevedo



Estraga prazer

(notas de explicação que ninguém pediu...)


A lírica moderna tem raízes no Romantismo, cujos poetas estavam convictos de que a vida não poderia ser explicada unicamente pela “mecânica do relógio”.

A história do movimento romântico coincide com o surgimento das grandes revoluções como a Revolução Francesa; embora tenha sido na Alemanha, por volta de 1800, que o termo “Romantismo” tenha recebido as primeiras acepções artísticas com Schiller (1759-1805) e, sobretudo, Goethe (1749-1832).

Ao invés da lógica e da estética reinante inspirada na tradição clássica, os artistas desejavam a plena liberdade da criação, evocando a espiritualidade e o sentimento profundo. O romantismo criticava a primazia da razão do pensamento ilustrado do século XVIII e postulava a prioridade do subjetivismo do eu individual em oposição ao conhecimento objetivo e as verdades absolutas, fazendo apelo “[...] ao élan da imaginação, às forças do sonho e da paixão” (MUCCI, 1999, p. 118).

No Brasil, o movimento romântico foi se definindo a partir de 1836 com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves Magalhães, e coincidiu com grandes eventos da História, dentre eles a vinda da Família Real Portuguesa, em 1808.

A literatura romântica brasileira fora impregnada por ideais nacionalistas. A natureza selvagem, o índio como símbolo nacional, o sertão, o regionalismo, a vida urbana e o recente episódio da independência contribuíram para manter aceso o espírito romântico que convergia com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa.

Entretanto, nas últimas décadas do século XIX, acentuam-se na poesia romântica as influências de Byron e Musset, dentre outros, modeladas dentro da essência mórbida do “mal do século”, configurando a segunda geração romântica.

Um dos poetas brasileiros que absorvera o espírito pessimista do mal do século foi Álvares de Azevedo que desenvolvera temas mórbidos, angustiantes, melancólicos; expandindo em versos o individualismo e subjetivismo comum à sua época que, além da imaginação criadora, expressavam o mal-estar dos artistas e intelectuais diante a nova ordem social estabelecida pós-revolução industrial.

Na atualidade, o avanço tecnológico, a globalização, a complexidade dos meios de comunicação e produção, bem como das relações humanas, têm contribuído para formar uma nova subjetividade pautada no individualismo exagerado, no acúmulo de saberes e habilidades técnicas, que, por sua vez, geram novas exigências à condição humana; originando um clima de "incertezas" perante o caos que a racionalização pós-moderna, ou melhor, a "sociedade do conhecimento" produz (MORIN, 2003).

Porém, conforme se pôde ler nos versos da poetisa carioca Bina Goldrajch, destaca-se na Blogosfera uma produção poética que exprime certo pessimismo e descontentamento diante este estado de coisas, que por sua vez resiste à mecanização dos sujeitos e à bipolarização da natureza humana; questionando, além do curso do eu-subjetivo, o próprio destino da humanidade.


Referências


BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1972.


MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Repensar a reforma, reformar o pensamento. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.


MUCCI, Latuf Isaias. A concepção romântica de arte. Ipotesi: revista de estudos literários, Juiz de Fora, v. 3, n. 1, 1999, p. 117-131.


*Imagem extraída do blog Deglutição de pensamentos,

da poetisa Bina Goldrajch.

não quero nem ver

aquarela/ rafael godoy

não quero nem ver a hora em que ele chegar
e perceber que os objetos de que mais gostava
estão amontoados no canto da sala
que os seus cedês preferidos
estão empilhados sem ordem
e seus livros adormecem
numa caixa de papelão sem cor
que os seus quadros tristes
estão encostados na parede

não quero nem ver quando ele perguntar
de suas camisetas desbotadas
que usava para ficar em casa
e se deitar na cama comigo
que meus lençóis estão com outro cheiro
o travesseiro tem outra forma
e na geladeira nova marca de cerveja

não quero nem ver quando ele perguntar do nosso gato
e souber que está aninhado em outro colo

não quero nem ver quando ele descobrir
que os meus olhos brilham mais
e que minha boca tem um outro sorriso

Absorção pelo Eterno


Arte Raquera



Lembro como eram inquietos nossos jovens corações, como eu tremia quando tocavas minha mão e juntos, sentávamos apreciando o luar. A princípio teu olhar era o meu encantamento. Depois me apaixonei por teus pensamentos.São poucas as belas lembranças desse amor. A tirania, o poder e o desamor, ocuparam teu coração e turvaram o brilho que teu olhar, outrora tinha. Hoje desprezo-me pelas vezes que tentei conquistar tua atenção. Cheguei ao fundo do poço. Tudo em vão. Segui, e as recordações ficaram. Deve ser assim a vida.....
O paradoxo de amar sem ser amada.
De viver, sem companhia.

Angústias de espera, mais nada.

Esta união nasceu para a eternidade, não para a vida.

A vida cobra. A eternidade absorve!