DOISMILIDÉIZ ÔEONZI PISTAS

Nina Rizzi, bardot lixuosa, silk-screen, 2003; estampada numa lixeira na luxuosa Niterói.

pista zerada-



poulain não dá a cara à tapa
faz telas ao chão
pegadas que levam
a retratos, antigos peêbês.

pista zeraesquerda -



estados nos separam:
"você vive tão longe
que às vezes penso
que nem existo.
nem me fale em amor
que amor é isto"
(leminski)

pista zeremeio -

fantasia infantil:
coelhinha
"ais" de doze anos
calcinhas de sessão infantil.



pista um -

envie as folhas em branco:
"tenho uma vida branca
e limpa à minha espera:"
(césar)



pista umemeio -

cavernosa:
um monstro, rivera
um verme, super
neuroticamente platônica



pista dois -

o cenário é vermelho puta:
sabina usa chapéu coco
carvão marroquino nas pálpebras inferiores.



pista doisemeio -

gritos italianos você pode reconhecer de longe:
"il mio suplizzio é quando non
mi credo en armonia"
(ungaretti)



pista três -



tatuada:
moi
balões
coração
banski
tin tin
"does anybody else here feel do way I do"
(waters)



pista trêsemeio -

carioca:
gosto dos ombros salpicados de bela
vermelho como camarões
amo
como
camarões.



pista quatro -

ivan fedorovitch se esconde em subterrâneos
teria ele matado o pais, superego?
"todo homem mata a coisa amada
com galanteio alguns o fazem
os corajosos, com a espada"
(wilde)

pista quatrimeio -



no strokes for woman:
lídia louca
bukowski bêbado
comida pra gatos
"mas que importa [...]
a baía de guanabara
o que eu vejo é o beco"
(bandeira)

pista cinco -

katherine tem uns olhos duros. amodeia. medéia [...]:
"pagú tem uns olhos moles
olhos moles de fazer doer
eh, pagú,eh,
dói porque é bom fazer doer"
(bopp)



pista cinquemeio -

"silence is sexy, but your silence..."
(neubaüten):
silêncio é palavra que habita, palpita
é toda música que faço.



pista meia dúzia -

céltica:
eram runas que te liam as entranhas.
vigésimo aniversário.



pista meiameia -

demais, dindi:
belos montes, tragar
arroz quebrado, beber
já tive boa companhia.



pista setesetemeio -



cantiga de menina:
sete e sete são quatorze
com mais sete vinteum
já tive marido e namorado
mas não gostei de nenhum
que gozo mermo era cum mulher.



pista oito -

deus e o diabo na terra de santa cruz:
sérgio buarque de hollanda, como "tu",
pé antilusitano
neruda diz das ramas europeias
"fome, cruz e espada".



pista oitimeio -

ecos do ataúde:
bimbalalão
o som do alaúde
só te ilude.



pista nona -

ribeirão:
fausto, antes de entregar a alma a mephisto
vivia num pequeno-mundo
ou seria sua amada abandonada?



pista novemeio -

podólatra:
a teus pés
lindos
não no cu.



pista dez -

"eu amo como as criancinhas":
mas parece um teste:
até as feias!



pista dezemeio -

pessoana de se apropriar:
come twix, pequena suja, come
roube!
ou vai à falânsia
steel this books.

pista onze -

uma atrás da outra
um atrás do outro:
reveza
peripécias
malabarismos
kama sutra
minha senha é
milnovecentosenoventaequatro.

pista infinita -

bruxedo:
homemhomem
mulhermulher
homemmulher
euvocê
filhapai
paifilha
o nosso ano todo
tem as misturas de cores e desenhos, cézanne
o movimento paisagem, van gogh
somonos paralelos, mondrian
nus, renascenças e modigliani.
madrugadas e pomares: vizinhos
encontramos sempre
poesia em nossos caminhos-corpos.


[nina rizzi]
*

a duas mãos

 


a ausência dela choveu tanto
dentro de mim

que o meu coração borrou
flores de algodão em seu dorso.

Mas era tarde.
E, à ave, não coube voo ou deporto

[ então, chorei.





*Imagem localizada aqui.

Parti[tura]









Afino os sentimentos

Orquestro as palavras

No silêncio busco a melodia mais pura


Quando minha alma se parti[tura]...

Toco a poesia






(Wania Victoria)



Fotografia on DevianART by Bittersweetvenom 




véspera

desenho de carcarah

de noite veio um bêbado
andando no meio da rua escura e chuvosa
trombou numa árvore enfeitada de luzes de natal
ficou olhando aquela coisa iluminada
sentado na calçada com a garrafa em suas mãos
pensou que tivesse em outro país
começou a cantar em inglês uma velha canção
viu neve onde havia chuva fina
um cão perdido de rua era sua rena
adormeceu sorrindo
e de manhã já era natal

Chão de Estrelas

arte: Rob Gonsalves



Um chão de espelhos onde a lua 
prosa e nua pode sempre se olhar
os barcos em rota sua a navegar

Miragem em pleno olhar
quando o ceu azul  se formar
As estrelas terão seu brilho
refletido no chão que piso.

Exaustão



tenho andado cansada
de tantas pedras na estrada:
ao meio,
às margens,
em planaltos
e vargens,
reais
ou miragens

tenho andado cansada
de minhas pernas na estrada:
com câimbra,
dormência,
dor
e ardência,
ânsia
e urgência

e não há chegada?
é sem fim
essa estrada?

tenho andado cansada
[de mim]


Renata de Aragão Lopes


Publicado em 26 de novembro no Doce de Lira.

*Alguma inundação*

fonte da imagem: Google- sem informação de autoria

de me fazer chuva
andei umectando sonhos
encharquei desejos
até estirar feito rio lambido
seco de (a)mar

Úrsula Avner

* inspirado nos poemas da postagem " diálogos de rio e mar " de Nina Rizzi
e Hercília Fernandes.

Fisiológico



La Dormeuse - Renoir


tua fome é carne
que me come;

é traje
que visto
pelo avesso;

trágica,
profética,
é tropeço;

prurido,
pecado
e perdão.

tua fome
exaspera
minha fome

- alimento
que abisma
e me mata.

Lou Vilela in Nudez Poética

.

diálogos de rio e mar

Encontro do rio com o mar, fotografia de Gilson Viana, in: Olhares.

molhada,

me levanto de madrugada
pra te ouvir chover.

(nina rizzi)
*

estados
hercília fernandes

não tendas a decifrar-me,
amado meu

hoje estou chuva
: amanhã, saberá Deus?

nuvem muda...
*

outra variação
nina rizzi

em causa de te sonhar
minha noite se fez dia
e me calcei de nuvens.
*

feito rio
hercília fernandes

há tanta saudade
- dentro de mim –
sou capaz de fazer
sangrar o Itans
tamanha a escassez
dos dias das noites
que se alonga alonga
feito rio
*

crepúsculo sobre o rio acaraú
nina rizzi

há nos meus olhos uma beleza tão triste:
tamanho é o estio, que até os carnaubais
estão assim, feito meu peito

árido.

Á
R d
I
D
O.
*

encosta
hercília fernandes

talvez eu seja aquela
moça-personagem que perde
horas seguindo mesma trilha
seja gaivota e prefira encosta
a render marinha
talvez eu não tenha jeito
nem venha a tê-lo
*

DESCONVERSO

Tela de Pablo Picasso


Eu te faria um poema
Mas você foi embora
Carregou alguns versos
Remendei o que podia
Nem era nada de amor
Ou algo parecido
Só escreve assim quem é poeta
Sou só meia
Tigela
Nunca cheia
Vejo tudo da metade
Vazia
Minha mistura orgânica
Dá sempre nisso aí
Revelia

Se eu olhasse nos seus olhos
Não diria jamais não
Para o meu corpo não me (a)trair
A você, não me dirijo
Só neste escrito
Que não é de amor
Nunca seria
Verdade
O que aqui não admito
Mentira
[Você pontua


[S]enas...






Cena 1
Linhas de metrô
Bordo quando venho
E quando vou


Cena 2
Neve no telhado
Risco um coração na vidraça
Dentro fumega o chá de canela na taça


Cena 3
Folha que cai no rio
Bilhetinho de amor
Que ninguém viu


Wania Victoria




Foto do meu arquivo pessoal


noite na guanabara

imagem:google

mágico silêncio que perturba
essa noite na guanabara
e o o cristo de braços abertos
olha para os últimos boêmios
resquícios de uma geração

sempre à espera
da garota de ipanema
do leblon ou de copacabana

esperam sentados
tomando copos de uísque e cerveja
misturados às suas lembranças e delírios

os cigarros antes sensuais
deixam amarelados os dentes e os dedos
a fumaça esconde suas rugas
e o álcool os faz renascer

no cantinho um violão
joão ainda na vitrola
e o mar uma neblina densa

o redentor os admira
esses homens absolutos em sua dignidade
fiéis a uma história
fiéis a uma época
em que era possível sonhar
sonhar paixões sonhar um país

o cristo se inclina por um momento
levanta a mão e chora

só eles os poetas da cidade sabem
só eles os guardiães da cidade podem chorar
pelo menos esta noite
pelo menos nesta derradeira noite da guanabara

Sonhos de asas

arte: Rob Gonsalves



Velas como asas rompendo espaço,
longe do solo em que firme pisei;
É viagem longa, mas no compasso
da batida de um coração que ansiei.

Se sonho for, cumpre-se o desejo
de alcançar em velas a eterna
pressa, do encontro que almejo.


Asas-velas-barco e luz
É efêmera a chama que conduz

Aos negros



que diferença faz
a cor da tua pele,
a textura do teu cabelo,
o passado da tua raça?

fica em paz!
o branco que se rebele
contra o próprio desmazelo
a irmãos de mesma graça.

- hipocrisia
de um povo mestiço
que se rejeita no outro
sem se dar conta disso.

- ignorância
de quem não percebe
que somos nós todos
de uma só plebe.


Renata de Aragão Lopes


Amanhã é Dia da Consciência Negra.

Grito dobrado

                                                                       " Eu faço uso da pintura para tornar os pensamentos visíveis"

René Magritte





tresvario em dois momentos
como cruz e como trave
como cruz, credo, sou treva
quando travo, extravio
( surreal)


aquiesço em duas escolhas
ora soma, ora mente
quando somo(s), sou e_terno
quando minto, a(s)cendo o sol


inquieto em duas esquinas
de frente e pelas costas
se enfrento, desmascaro
se costeio, desamparo

esquivo em dois esquetes
feito musa e feito asas
feito musa, só seduzo
feito asas, sou usado


equivoco em dois esquadros
a moldura e o espelho
sou moldura quando enquadro
e espelho se reflito


sou divino em dois momentos
como anjo e como pássaro
sou anjo quando me_nino
sou pássaro quando mar_manjo
( sou real)




* Exercício  inspirado em obras de René Magritte

* Que venha... *

imagem : Duy Huynh

que me venha
a poesia
segredada
ao ouvido
que a reconhece
música cantada
á língua
que só experimenta
a palavra falada

que me venha
a poesia
se.gre.ga.da
partida em
pedras de cristal
feito luz
múltipla em cores
feito som natural
de fonte
de rio
de silêncio
preso em cada
canção não entoada

Úrsula Avner

Rimas de aniversário


Estou apagando a vela
recebendo flores.
Mais sábia
e menos bela.
...
Que venham as rugas
avisar do tempo
e os cabelos brancos
dos solavancos.
...
Há felicidade
no interior
da minha idade?
...
Deixe eu me mostrar do avesso
para aprender o que ainda
não conheço.


( Meu aniversáio é 10/11, programei a postagem para essa data, mas saiu um pouco antes...)

Girassóis

Detail of Vincent van Gogh (1853-90), Sunflowers, 1889. Oil on canvas, 95 x 73 cm.
Van Gogh Museum, Amsterdam (Vincent van Gogh Stichting).




Corpos paredes lençóis
permissivos.
Sibilam bocas
provocam olhos ouvidos

: pontos encontros de peles pelos
partes intumescidas.

Tudo cala.

A brisa sopra horas vencidas.
Florescência.
O dia amanhece em paz.


Lou Vilela

 

* Poema publicado no "Balaio Porreta 1986" em 19/11/09.
.

Fé cega


Meu cão de guarda rosna baixo
para a presença que ele só ouve
e que eu só sinto
ambos não veem
o visitante que se acomoda
sem ser convidado
Sua presença exala tanta solidão
que o deixo ficar
Não imagino quem seja, se:
espectro, imaginação ou resto de fé
mas poucos cruzariam minhas portas trancadas
e após engolidas todas as chaves
quem se atreveria a bater?
A espécie de alma pressente minha angústia
e atravessa paredes
senta-se sem cerimônias no chão
Meu cão, confuso
observa o ar que se movimenta
olha para mim enciumado
como se interrogasse
o que seria mais aquela companhia
c(o)alada no meu rastro.



só vou aguentar esperar a quaresma se você comer carne católica e incorporar orixás comigo

nina rizzi

minha noite é conexão.
e

a madrugada, intervalo.
pa
v
o
r
a

*

Imagem de Duy Huynh.


ècran sourrealist
nina rizzi

não me depilo. às vezes eu passo um barbeador nas pernas, porque tem pouquíssimo pelo. já as axilas, olha a merda, sou alérgica a cera e outras coisas, então vivo assim. estranha, erguendo os braços procurando lá no alto os pássaros que me trazem sua voz que me canta.

eu moro num prédio que você deve imaginar como é, claro que as minhas ficções, por serem ficções melhoram as coisas, mas é mais ou menos aquilo. eu divido o andar com dois velhos gays. são até bacanas, ouvem ópera e modinhas de viola, mas é tão alto e aí falta o silêncio, como eu adoro o silêncio, apesar de como você, às vezes, desandar a falar feito doida. ah, silence is sexy. (odeio citações em inglês).

você se sente só no meio da multidão que te cerca (eu sou) ou não o gosta da prática e é teoria? eu aprecio muitíssimo o contato, mas como platônica isso é o diabo. eu queria mesmo deixar de falar com você agora, mas que fazer se eu só atraio pessoas assim: distantes? queria as coisas mais reais por aqui, no entanto eu nem sei dizer o que é real e o que é puramente imaginário, não sei dizer. acho que enlouqueci, na verdade é possível que você nem exista.

é claro que eu não vou te deixar a sós, assim. que besteira, que ideia. não percebe que eu já me ferrei, que tô fudida? você foi direto na jugular, beibe! queria estar mais perto agora e isso é um bom motivo pra eu não me cansar. sabe que, é engraçado porque tenho impressão de... eu te leio e parece que tô a ler um texto que escrevi em transe e por isso não me lembro. se eu fosse inventar uma personagem pra me amar ela seria assim.

hm... eu sei que... bem... que tal andar por aí, à noite? eu adoro caminhar... à noite. se você não se importar, quero pegar a tua mão. minhas mãos tremem. acho que é a primeira vez que eu pego na mão de alguém. eu me assusto, tremo... você me aparece pela primeira vez, e eu te vejo pela terceira vez.

senão, ficamos feito adélia prado: ou nos tornamos santos ou... bem, eu sou uma deusa renascentista, diana ellenía. veja o cão griffon. melhor: me veja. sim, é verdade pensei a noite toda nisso (nesse calor quem dorme?) você vai gostar muito da casa de portinari. santos com rostos humanos que sacrilégio. quero a tua virgindade como a da virgem maria.

kore, sei que você virá trazer flores ao tártaro, isso anda tão feio. é que eu sou tão monstruoso quanto diego rivera. sim, no sentido da palavra. no sentido sagrado do termo. real. ó, rainha do tártaro eu te faço, kore era uma criança e agora dá lugar à mulher, rainha do mundo subterrâneo e vil. fiz um quadro pra você kore, verá quando for perséfone, mulher, rainha, musa, flores. fita no cabelo. sagrada, minha puta. [...]

mas o que é sumiço, senão medo, sempre terrível, as perdas e partidas?

ei menina, tudo é muito estranho, sim beibe... bem andado é mais que muito estranho mais que o convencional. que loucura chata essas convenções. e esses acenos e você aí se imaginando no lugar dela, eu chegando e te abraçando, acho que você é que me pegava no colo que me parece tão espevitada e me pegava no colo e me rodava e a gente não sabia mais qual era a perna de quem e na real era tudo a gente mesmo, pernas e cinturas. e eu chego e a gente se agarra e somos eu e você, sim senhorita, minha senhora das profundezas belicosas. eu e você nos abraços e risos, aqueles risos tão largos que quando ficavam sérios já tinham se aderido ao chão e e tudo era um só riso e a gente fazia troca-troca.

mãe querida, que bom não te ter ontem na tua própria casa. eu sei que fui te visitar, mas desde a música da noite anterior e desde então não dormir... que que há, hein?! ah, as águas tempestuosas continuam correndo, elas são rebeldes, mas é melhor esta rebeldia que a das barreiras nas margens. mãe eu já te disse: meu desejo mais ardente, ó, mãe, chega destes sonhos que restaram por indolência, chega desses gurus que crescem feito urtigas nos muros de quintais, chega. eu continuarei a sonhar com a áfrica. sim eu já te disse com os olhos molhados, sou mesmo assim vivo a mendigar afeição e você me respondeu sem lenço nas mãos que eu sempre procuro errado. ó, mãe, mas que faço se não sei me educar, se desde a infância sou assim: turttle blues. hard core? não querida. agora eu só quero uns miados. onde estão meus gatos?

ó, minha filha, porque você tem sempre que ser assim? até porretada na cabeça já te dei, mas você não tem jeito saiu a teu pai, até pior já que ele é politicamente correto e, que eu saiba, não tem tendências homossexuais...

beibe, eu não sumirei e por favor não o faça, ou então me acostumo e aí viro autista de vez e faço

intermezzo di quasi abastanzza
[...]

faço?
*