Filho pródigo


Para aquele que saiu do mesmo útero, mas não entrou no mesmo mundo


Não sabe ouvir
mas fala pelos cotovelos
punhos e joelhos

qualquer momento é de raiva
movimento, só na defensiva
o desespero é tanto para achar a palavra
a tanta razão é nada
comparada ao que ele consegue exprimir
quando eleva o tom e abaixa o nível

ganha qualquer um
no grito
me diminui
me faz querer morrer
tantas vezes
ou nem mesmo tentar

não sabe dialogar
mas não cala
e espalma sem remorso
o que os outros lhe dizem
pensa que todo conselho é mentira
é tentativa de homicídio de sua mente
doentia

para ele, toda palavra proferida
é contra a sua pessoa
e um dia, será mesmo.

fuga
nina rizzi

minha voz, quando te diz, quanto te canta:
"te amo como se ama um passarinho morto",
sabe?

a gente quer pegar na palma da mão, levar ao rosto,
afagar e chorar:
- voa, voa, passarinho morto.
*

do túmulo de Oscar Wi
lde.

gertrude
nina rizzi

fica calma, meu amor, na semana que vem estaremos perto. perto é juntos. na semana que vem. eu e você perto e juntos na semana que vem. the rose is the rose is the rose.

mas é lamentável que o telefone não tocasse. que você tenha jogado fora meus números. grandes demais, kitsch demais. era um sonho só. de dormir até. que em alguns dias eu vou passear por aqueles sebos e cinemas antigos e encontrar aquela mulher que nos pede leite nos becos de bandeira. a minha cabeça vai doer e você não vai estar lá pra me mergulhar em espuma quente e me ouvir as histórias de quando eu era menina e corria pra ver o vento.

é terrível que nossas vidas tenham se interrompido feito as paisagens que serram e nos metem prédios. a história tão bonita que de lembrar derramam. dos girassóis que me entregava sem arrancar do pé, das begônias que eu dava pra vendedora de flores viciada com frio naquela esquina quente da praça da saudade. daquelas noites estreladíssimas em que te encontrava na orelha de van gogh. me derramam, me derramo.

e eu gostava muitomuito, de um dia voltar a tocar o céu da tua boca com os meus dentes. eu passaria horas só contemplando esse teu olhar. e mais um cem-horas a te abraçar. pra que mais? você me perguntava e eu só podia dizer que sempre quero mais, que meu amor é urgente e atravessado de ânsias e você me entregava esse teu risinho que se parece um choro sem lágrimas em banheira fervente nas casas da glória.

essas letras todas te despencando parece drama demais, afetado demais? mas eu me lembro, eu me lembro que você queria me dar um filho, que a gente comia um quilo de açaí e não me sobrava fome pra o pão integral com queijo branco. eu lembro que eu era linda ao teu lado, meus olhos verdejavam os mais puros campos dos jogos infantis e que você jurou brincar de cíclope comigo.

é verdade. eu sabia que aquelas madrugadas de abril eram nosso fim. eu sabia que indo ao teu encontro era um adeus, um aceno, um talvez nunca mais. mas nunca é tanto tempo, mas nunca é tão doído, mas sem você eu não sei mais eu.

olha, eu reconstitui meu fígado pra te entregar. nenhum resquício das mais de 4.700 substâncias tóxicas, nenhuma gota de álcool etílico. só o fígado vermelho do meu sangue que te vai com a minha memória em troca da minha certidão de nascimento que te ficou. que sem ela não posso tirar a segunda via do registro geral e é como se eu não existisse. parece muito? mas esse muito é tão pouco, é tão pouco...
*

Dobras do vento


À Mestra M.M. de Araújo, com carinho.



É preciso decifrar sinais

estar atento.


Saber o que apraz

manter-se sereno.


Reunir os galhos

sem mais nem menos.


Estreitar os laços:

a língua, os ais...

as dobras do vento!


(12 nov. 2008)



*Imagem sem indicação de autoria localizada no Google.