Das setas


para não me perder do que fui,
abraço a Memória.
para construir o que serei,
alio-me ao Desejo.

Sem título


Não se deveria escrever a toa
a mão é corpo
a caneta só lhe acompanha.
Sem propósito apenas a vida,
enquanto a poesia tem trilha, métrica e rima.

Nerudianas


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Prefiro que não, amada.

Para que nada nos amarre
que nada nos una.

Nem a palavra que aromou tua boca,
nem o que não disseram as palavras.

Nem a festa de amor que não tivemos,
nem teus soluços perto da janela.

Amo o amor dos marinheiros
que beijam e se vão.

Deixam uma promessa.
Não voltam nunca mais.

Em cada porto uma mulher espera:
os marinheiros beijam e se vão.

Uma noite se deitam com a morte
no leito do mar.

(Pablo Neruda in Crepusculario)


Seria tua musa desde que
aprendêssemos a roçar
minha língua tua língua
envolvidas nesse mar.

Envolvidas nesse mar
suculentas nerudianas
mil histórias duas bocas
minha língua tua língua

alagadas tateando
aprendêssemos a roçar
enviesadas declarando.

Seria tua musa desde que
duas línguas um destino
soubessem conspirar.

(Lou Vilela in Nudez Poética)
   


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