Postagem Simplesmente Poesia (11)

Arte digital de Fátima Queiroz.

Ai, ai, ai
Henrique Pimenta

O guizo da serpente, um idioma
corrente nas colunas sociais,
presente nas manchetes, ele soma
o menos com a mentira ao muito mais.

A foto mal batida como toma-
tes podres sobre a fama do rapaz,
a moça, não celebra, desengoma,
difama, calunia por detrás.

É sino que badala sem aviso,
assanha, manipula com o badalo
façanhas e a peçonha ao paraíso.

O brilho com seu halo pelo ralo...
Sem Deus, o humano ofídio com seu guizo
compõe uma tragédia a Frida Kahlo.

FRIEDA. FRIDUCHITA. FRIDUCHA. MAGDALENA CARMEN. FRIDA KAHLO, por nina rizzi

“E no entanto, embora cada um tente
fugir de si mesmo como de uma prisão
que o enclausura em seu ódio,
faz parte do mundo um grande milagre:
eu o sinto: toda vida é vivida.”
Rainer Maria Rilke, Le livre du pèlerinage

Nome: FRIDA
Sobrenome: KAHLO
PINTORA
1907-1954
Nacionalidade: mexicana
Esposa de Diego Rivera
Admiradores dela: Trotski, Breton, Berggruen, Duchamp, Kandinsky, Murray, Picasso...

O primeiro quadro dela que vi foi Alguns piquezinhos. Fiquei estática diante da obra, tamanha era sua violência. A violência que eu vivi e vivo em cada amor, em cada dia. Eu era aquela moça assassinada; a moça assassinada era a mulher que abandonei. Soube depois que teve origem numa notícia de jornal: um homem esfaqueou a esposa e diante do juiz disse que deu “apenas alguns piquezinhos”...

Oswald de Andrade disse que a poesia está nos fatos, certamente os quadros de Frida Kahlo também. Poesia em telas. O cotidiano nas telas. Ela transforma o seu sofrimento em poesia, a poesia que se vê em seus quadros. Melhor que qualquer biografia é a sua própria obra, já que pinta o que vive, o que sente. Uma pintora original e fiel à sua originalidade, ao estilo que desenvolveu. Sua obra evolui conforme ela própria. De um “menino frustrado” a grande mulher mexicana em busca de suas raízes (ainda que para satisfazer um homem, o homem que ama), sem nenhum traço de estrangeirismo, nem mesmo influências de seu marido, também pintor, Diego Rivera.

Quando ainda era criança enfiou o pé em galhos e ficou manca, com o passar dos anos a perna foi se atrofiando. Aos Dezessete anos está num ônibus com seu então namorado Alejandro quando um trem lentamente vai esmagando o ônibus em que está Frida. Um ferro entra-lhe pelo quadril e sai de seu sexo. A coluna quebrada. Dores por toda a vida. A bailarina pintada de ouro. O ouro que cai em seu corpo ensaguentado.

“Meu corpo é um marasmo. E não posso mais escapar dele. [...] Meu corpo vai me soltar, a mim, que sempre fui sua presa. Presa rebelde, mas presa. Sei que vamos nos aniquilar um ao outro, a luta portanto não tem vencedor.”

Há quem diga que ela era muito narcisista (quem não o é?), devido aos seus inúmeros auto-retratos. Mas não é bem assim. Logo após o acidente ela teve que ficar de cama, pois estava com a coluna engessada. A mãe pensando em agradar a filha colocou um enorme espelho no teto do quarto. Frida odiou, mas nada disse à mãe para não magoá-la. Foi nesse período que começou a pintar. E ela pintava o que via. Seu rosto e busto, a barriga e as pernas não saíam debaixo das cobertas...

“O espelho! Carrasco dos meus dias, das minhas noites. imagem tão traumatizante quanto os meus próprios traumas. A impressão incessante de ser apontada com o dedo. “Frida, olhe para você.” [...] Eu perscrutava meu rosto, meu gesto mais insignificante, a dobra do lençol, seu relevo, as perspectivas dos objetos espalhados que me cercavam. Durante horas e horas, sentia-me observada. Eu me via. Frida dentro, frida fora, frida por toda parte, Frida ao infinito. [...] Mas de repente, ali sob aquele espelho opressor, tornou-se imperioso o desejo de desenhar. [...] A maneira clássica para aprender, eu utilizei um modelo: e mesma.”

O primeiro amor de Frida aconteceu aos quinze anos, antes do seu fatídico acidente. Conheceu Alejandro Gomez Arias na Escola Preparatória Nacional, a melhor do México. Depois de seu acidente a família deu um jeito de mandá-lo pra Europa com a desculpa de ampliar seus estudos, mas a verdade é que Frida Kahlo não era uma boa influência para o garoto, além de ser aleijada.

Abaixo uma das anotações dela sobre o seu amor distante:

“A distância torna as coisas fictícias... Sim... Não... quanto mais uma coisa se afasta, mais ela se aproxima ao mesmo tempo, pois passa a pertencer somente a nós, ao nosso próprio mundo. A cada um dos seus passos, meu coração estava com ele, menos pesaroso. E, entre ele e mim, não estava mais o oceano, mas sim meus quadros que pouco a pouco se criavam no meu espírito.”

Eu troco “meus quadros”, por meus escritos. Novamente, assim como os poetas, Frida externa sentimentos tão comuns a todos nós e, melhor: sem rebuscar.

Casou-se com Rivera, pintor mexicano.

“[...] Apaixonei-me por Diego e isso desagradou meus aos meus pais porque Diego era comunista e parecia, diziam eles, um Breughel gordo, gordo, gordo. Diziam que parecia o casamento de um elefante com uma pombinha.”

Se quanto à poesia podemos nos dizer Frida, eu, exteriormente digo-me o próprio Rivera, o macaco libertino!

“[...] Para mim, era um monstro. No sentido sagrado do termo, mas também no sentido próprio. Tudo nele era feito em tamanho grande. Produtivo, prolífico, transbordava de vida, de euforia, de idéias, de pintura. [...] Cobriam-no tanto de elogios como de insultos.”


O museu Frida Kahlo no México fica em Coyoacán. Na “casa azul” onde Frida morou.

Stálin havia “jurado” o permanente revolucionário Leon Davidovtch Trotski, então ele obteve asilo político no México, mais exatamente na “casa azul” de Frida Kahlo.

Como todos sabem, ela teve um romance com ele, mesmo este sendo casado com a Sra. Natália Trotski. Eles tiveram um romance quase adolescente. Escondiam-se não só de Natália, mas também de Rivera, que mesmo não escondendo suas proezas amorosas, era demasiado ciumento. Trocavam cartas que circulavam dentro dos livros que eles se emprestavam e perto de Natália falavam em inglês. Dizem que eles se separam por razões políticas já que as coisas não andavam fáceis pra o velho vermelho, um romance só poderia piorar a situação. Mas como em todos os casos de amor, nunca saberemos quem largou quem e porquê, e, na verdade, que importa isso diante da obra de ambos?

Frida chama Trotski, carinhosamente, de “velho” já que ela tinha vinte e poucos anos e ele cinqüenta e oito. Sabendo agora desse “apelido” e o nome da mulher dele, o que nos remete ao poema do Leminski:

o velho leon e natália em coyoacán

desta vez não vai ter neve como em petrogrado
aquele dia
o céu vai estar limpo e o sol brilhando
você dormindo e eu sonhando

nem casacos nem cossacos como em petrogrado
aquele dia
apenas você nua e eu como nasci
eu dormindo e você sonhando

não vai mais ter multidões gritando com em
petrogrado aquele dia
silêncio nós dois murmúrios azuis
eu e você dormindo e sonhando

nunca mais vai ter um dia como em petrogrado
aquele dia
nada como um dia indo atrás do outro vindo
você e eu sonhando e dormindo

Frida, ao contrário da maioria das mulheres e principalmente homens, sabia que todo ser humano é bissexual por natureza, e não procurava esconder o fato dos outros menos ainda de si mesma, dava vazão a todos os lados.

“Tlazolteotl, a deusa do Amor, deve ter estado sempre comigo. Fui amada, amada, amada – não o bastante, porque uma vida não é o suficiente. E eu amei sem cessar. Com amor, com amizade. Homens, mulheres. [...] a mulher goza com todo o corpo, e que esse era o privilégio do amor entre mulheres. Um conhecimento mais profundo do corpo da outra, sua semelhante, um prazer mais total. O reconhecimento de uma aliada. [...] não havia medidas, só podia ser tudo ou nada. Da vida, do amor, tenho uma sede inesgotável. E, depois, quanto mais meu corpo estava ferido, mais necessidade eu tinha de confiá-lo às mulheres: elas o compreendem melhor. Espera tácita, doçura imediata.[...] Creio que somos múltiplos: acho que o homem traz o sinal da feminilidade, que a mulher traz o elemento homem, que os dois trazem neles a criança.”

Frida morreu em 1954, sua saúde piorara muito e ela para tentar dissipar a dor se entupia de álcool e remédios, já não tinha mais aquela força da sua juventude, já não tinha mais vontade de viver. Estava cansada.

Suas últimas palavras? Uma frase em seu diário: “Espero que a saída seja feliz e espero não voltar nunca mais.”

Por fim, um poema de Frida>>

Eu sorria. Nada mais. Porém a claridade se fez em mim, e no mais pro-
fundo do meu silêncio.
Ele, ele me seguia. Como minha sombra irrepreensível e leve.
Dentro da noite um canto soluçou...
Os Índios pareciam alongar-se, sinuosos, nas ruelas da aldeia.
Iam ao baile, envolvidos em sarapes, depois de beberem
mezcal. ma harpa e uma jarana por toda música, e por
toda alegria, as morenas sorridentes.
Ao longe, por trás do Zocalo, o rio cintilava. E ele se escovava, como
os minutos da minha vida.
Ele, ele me seguia.
Acabei chorando. Encolhida a um canto do pórtico da igreja,
protegida por meu rebozo de bolita, alagada em lágrimas.

E eu, alagada de mim, alagada de Frida Kahlo.

E pra quem quiser saber mais sobre Frida Kahlo o melhor é observar minuciosamente cada um de seus quadros, em ordem cronológica. Aí está sua autobiografia.

Para os mais sedentos:
- Frida Kahlo, de Rauda Jamis (em espanhol)
- A biography of Frida Kahlo, de Hayden Herrera (em inglês)

Pra quem não quer ler, veja no youtube (em inglês, mas melhor que o filme de Julie Taymor).

construção

imagem capturada na internet sem indicação de autoria. mas lembro de tê-la visto nos jornais lá pelos idos do doismilicinco...

nina rizzi

imagina só meu caro amigo, que logo eu
aos doze anos, na flor da idade
fui um milagre brasileiro:
uma morena de angola, dos olhos d'água,
moça da cidade e violeira na cidade dos artistas
uma cidade ideal pra minha canção, pra ver a banda passar,
curtir festa modesta ou a fantasia
sempre voltando ao samba na ciranda da bailarina.

era a moça mais bonita, a moça do sonho,
na ilha de lia, no barco de rosa.
ura na queda, desafiei o malandro e fiz
um casamento de pequenos burgueses num circo místico
numa noite de mascarados com um novo amor
(é que não existe pecado ao sul do equador).

mas como o cotidiano é cheio
de desencontros, desencantos, desemboladas,
feito um folhetim de esconde-esconde
deixei a menina, carioca ou francesa,
como num samba de adeus, pois é
qualquer amor, romance é como um retrato em preto e branco,
samba, agoniza, mas não morre a gente fica com tanta saudade
então como sentimental vamos sempre em frente na roda viva.

mas tem mais samba rei de ramos!
samba de orly, tango de covil, valsinha, um chorinho
sobre todas as coisas daqueles anos dourados!
sobre o tempo que passou, minha história.
não fui uma menina, trocando em miúdos, fui umas e outras
e pra não dizer mais tantas palavras fora de hora
façamos a lista do meu sonho de carnaval, das minhas meninas,
las muchachas de Copacabana as mulheres que fui:

ana de amsterdam
angélica
bárbara
beatriz
carolina
cecília
cristina
geni
helena
iolanda
iracema
januária
joana
leila
lola
lilly braun
luísa e luíza
madalena
maria
nancy
renata
rita
rosa
sílvia
teresinha.

palavra de mulher! fui todas as mulheres de atenas!
uma mulher em cada porto, com açúcar e com afeto,
sem açúcar, sem fantasia, sem compromisso de todas as maneiras.

mas essa minha canção, o meu último blues
é pra deixar de ser tudo que sou e que fui
por um sonho (quase) impossível:
ser a garota do leblon.
e se não puder... não sonho mais!

Perdição


Adão e Eva: Gustav Klimt



........................Afã!

................se fez

.........compota

....quando lua

............inteira

............-mente

..................torta

.....................maçã...


(07/09/09)


Pedra na lua*



Quando digo que não mais te quero

É a ti que eu venero.

Quando finjo um meio sorriso

É porque meu riso ainda é sincero.


Quando rasgo o véu e digo:

― O mel de tão doce virou fel.

Não me estranhes!

É porque ainda cobiço o teu céu.


Quando te escandalizo

E devoro o mito

Deformando Narciso

É para, logo depois, cometer suicídio.


Quando te esqueço,

E aquela voz velada aqueço

Me comprometo, rezo um terço

E me converto ao teu desejo.


Quando não te digo nada

E faço do silêncio a minha causa

É porque as palavras têm cauda

E já não me resta nenhuma lauda...


Quando me enfeito de diva

E repito: ― Sou eu tua Marília.

Não acredites, é tudo mentira!

Apesar do nome me fazer bem à rima.


Quando não sei quem sou

E te peço socorro

Não me dê a mão

Porque não te quero morto

Em meu coração.


Quando estou naqueles dias

A ponto de jogar pedra na lua

Me leves a sério, me leves pra rua

Me faças mulher, me deixes ser tua.

Mesmo que eu diga: ― Não!

Deixe a chuva cair

Pra lua reluzir de paixão.


Quando o tempo mudar:

― Me esqueças! E desapareças!

Porque o vento levou a contemplação...


by Hercília Fernandes




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A poetisa e professora universitária Adriana Karnal deixou-me abundantemente emocionada com o ensaio crítico: A poesia subjetiva de Hercília Fernandes. Aproveito o post para agradecer o belo gesto da poetisa e a convidar os amigos à leitura do artigo.


*Poema extraído do livro: Agá-Efe: entre ruínas & quimeras (FERNANDES, Hercília: 2006, p. 61).