Suspensa no ar

Tela de Edvard Munch


Disseram-me para tentar o riso, a cor, o som...
Então
embrenhei-me num mundo de roteiros sem fim.

Agora haja quem:
auscutará cada volume que criei
arquitetará os prédios sem topo que escalo
e verá o que ainda escondo entre feno e pluma

para achar o que perdi e emendar no caminho
que resolveu empac(ot)ar meus sonhos.

LARAMARAL

primeira variação pra fronteira

Nelson Quesado, Pôr do sol na estrada. Fronteira Icapuí/ Ce, Mossoró/ RN.

nina rizzi

(lado a)

a cobertura e suas mil-luzes acesas, o cheiro de carne morta;
o resíduo dos serezinhos que cagam

- ser que é ser caga, se deus existe, onipotente e presente, ele faz
é muita merda -, o esgoto.

(o limite)

umas motos passam. param.
trocam balas, crack. passam.

(lado b)

uma moça e uns gatos e um cigarro e uma dose de quê num prédio trapo.

a rua, fronteira metafísica, seria planalto pra montanha depressão,
mas não.

eu a penso e ela me faz:
saudades, merdas, poemas.
*

metros de chuva

arte: Boris, 1997.


Não posso dizer se a chuva passou

nem se lágrimas deixaram de brotar

em minha face então fria.


Nem se tempestades cessaram

seus cantos brios

nas noites cinza de ventania.


Não posso dizer se esqueci

tampouco se lembrarei.

Não posso dizer se sofri

porquanto se o amei.


Quisera ter a bússola do tempo

ou um paiol do teu alimento.

Quisera ter o discernimento

pra sustentar o meu riso

e o teu lamento.


Mas se chegaste ao meu domínio

trataria de recusar:

De que me vale tal envaidecimento

se meu barco segue sempre a vagar?...


Mas se fosse pro teu encantamento

eu rezaria até formar:

Uma tempestade de firmamento

com metros de chuva

à luz do meu riso e teu luar.



by hercília fernandes