Postagem Simplesmente Poesia (8)

ou
dA dÁ ismo...


Arte digital de Fátima Queiroz
in: O Gato da Odete

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agora só lhes prometo
metasignos bailarinos
dos anúncios coloridos
e palavras que ao acaso
- nas roletas do cassino –
colho côo cozinho
no caldeirão do destino
para montar o mosaico
desarranjado e mofino
que nada diga de fato
exceto que tudo foi dito.

(in: Anomalias, Kelps, 2002).
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Pegue um jornal
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.

by Tristan Tzara

Estraga prazer
(Notas de explicação que ninguém pediu...)
.......Segundo Coelho (1980), a poesia século-XX se caracteriza pela busca da “abertura da linguagem”. O período entre as duas grandes guerras mundiais consiste momento ímpar para a vanguarda na criação poética.
.......Por meio de seus vários movimentos artísticos: Futurismo, Expressionismo, Dadaísmo, Cubismo, Surrealismo, a poesia século-XX se expande através da consciência de “criar realidades através da palavra” e a de “ser apenas um objeto de linguagem” (COELHO, 1980, p. 314).
.......Nesse quadro de rupturas, o Dadaísmo - movimento surgido em 1916, em Zurique (Suíça), no Cabaret Voltaire - configurou um dos movimentos artísticos que mais propunha a negação com as teorias, regras e ordenações lógicas na produção poética. Os dadaístas almejavam iniciar uma nova arte e rejeitavam tudo aquilo que fosse do domínio da consciência. Para tanto, propuseram uma poética de cortar, recortar, colar, aglutinar palavras formando palavras-frase carregadas de sentidos não-lógicos e originais.
.......Para Tristan Tzara, líder do movimento dadaísta, “Dada não significa nada”, porém este “nada” é a sua palavra fundamental (apud SANTOS; SOUZA, 2007). Uma das características do Dadaísmo diz respeito à ludicidade e ao humor. O próprio termo “dada” é equivalente a “cavalinho de pau”, em língua francesa, e ilustra o balbucio comum às crianças pequenas.
.......No poema Para fazer um poema dadaísta, conforme se pôde ler, Tristan Tzara faz uso de elementos metalinguísticos para explicitar os parâmetros conceituais e as técnicas de composição do Dadaísmo.
......No Brasil, o movimento dadaísta conteve ressonâncias. Oswald de Andrade através do Manifesto Antropófago, publicado na Revista Antropofagia, manteve diálogo com o Dadaísmo. Além disso, o poeta fez uso da técnica dadaísta, sugerindo em versos uma espécie de linguagem "pronta" a partir da técnica chamada ready-made (SANTOS; SOUZA, 2007).

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Referências

BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1972.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura e linguagem. 3. ed. São Paulo: Quíron, 1980.

Sugestões de leitura

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Nota:
No próximo sábado (29/08) quem contribuirá com o quadro Postagem Simplesmente Poesia será a poetisa Úrsula Avner, que também estará realizando a sua estréia poética no Maria Clara nesta segunda-feira, amanhã.

Mini-conto

William Turner, pintor inglês

Ele recostava o rosto ao violino quando queria afiná-lo, e a pele se enrugava em duas camadas que lhe apertavam os lábios. Era assim que eu fechava os olhos antes de dormir, nunca me deixava sem um movimento que não enchesse o quarto. Amava-nos pelo som, eu e as cordas.
Era pelo cheiro do piano que eu sabia de sua chegada, da madeira que abria as teclas. Pelo toque no banco, o pé a frente ao deslizar as notas, o prelúdio do convite. Não sairia sem antes me soar qualquer coisa no ouvido, cantarolava uma palavra que seria o sopro do meu dia.
Era, assim, engraçado olhar as pedras, elas explodiam de significado. Eu me perguntava quando uma pedra deixava de ser pedra e ter outra composição? Mas, o mundo veio, de repente, dentro da mata. O piano passou a ser só madeira, o violino talho recortado da árvore, e a voz era o tempo do silêncio entre a pedra e a água quando as jogava no lago perto da casa. Não ouve eco no adeus, e me lembrei de Hilda: Ah, sim, como queima o perdê-lo/agora que há de queimar-me a vida inteira.

Às Marias

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Hoje é dia de Maria...


Maria dos morros dos velórios

das sacadas das calçadas

dos achados dos perdidos


da Maria-vai-com-as-outras

e da outra, a que fica


Daquela Maria que almeja

paixão preguiçosa

que mexe remexe acomoda

(não se atreve ir embora)

traveste-se em amor


Também da Maria-abismo

antro de perdição

Maria-bordô!


Da Maria de encantos mil...


Maria-rosa chocolate

branco neve algodão doce

Maria-espinho


Importada nacional

acadêmica analfabeta

executiva piloto de fogão


Maria do príncipe

(futebolístico ou não)

Maria que ama Maria...


Daquela que crê que reza que implora

que vai à igreja que despacha na esquina

que não dá bola


Maria da fome, dos talheres de prata

erudita popular

(“ir-me-ei...; toma lá da cá!”)


Maria boêmia abstêmica

avião balão

Maria, Maria...


Bruta lapidada

peçonhenta panaceica

(dese)equilibrada

puta indissoluta

(r)evolução estelar


Todas belas, todas manias

com ou sem cria

Marias emoção!


Sim, todo dia é dia de Maria!

que tomba levanta que sonha

que cala, das vozes-maria


Maria (im)perfeição

Maria poesia


- Ave, Maria!


Lou Vilela





* Adaptação de imagem by Lou Vilela



NOTAS:


- Salve, salve Marias! - às novas [vozes do Maria Clara] e às nossas de todos os dias.

- Cordiais saudações aos Josés que leem as Marias!



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