A cena da sacada

Esta é a cena mais famosa de Shakespeare, é linda, onde a palavra perde o significante e só o significado preenche-se. 

Julieta: O que é um Montéquio? Não é mão, nem pé,  ou braço, ou rosto, ou qualquer outra parte
de um homem: seja outro nome! Nome?
o que há num nome? O que chamamos rosa não cheiraria tão doce em outro nome?
Assim, Romeu, se fosse um não- Romeu, não perderia a querida perfeição
sem o seu nome. Jogue fora o seu Montéquio, fique comigo, inteirinha!
Romeu: Peguei você na palavra! Eu não fui batizado, meu nome é Amor, não sei quem é Romeu

Remoinho poético

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Percorrem os dedos trépidos
sem-nomes confins.

Às pedras, cOnToRnOs dialéticos;
às flores, aromas ciganos.

Da gênese ao apogeu
gozo e poiesis.

Lou Vilela
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Metasaudade



Se saudade é abstrata,
Palavra inexata
Essa eu desconheço
Pois a saudade da qual padeço
Tem corpo, tem peso
Tem gosto de sal
Ora sintagma coeso
Ora texto de chanchada nacional.
Conjunção dos sentidos, sobrenome
Que a meus predicados consome.
Saudade minha, exclusiva,
E ainda assim, plural.
E a tua saudade imprecisa
Mora em que tempo verbal?

Moni Saraiva

In Palavração - III Coletânea Scriptus, 2011.

des_pudor


"memórias são trilhas
que a mata densa e invasiva da vida cotidiana

encobre lentamente"

Nydia Bonetti,
in fragmento de Geografias.



encontrava-se exausta
suave mente embriagada

a música a envolveu
de um jeito...

se romperam os receios

as anáguas que despem
[ vestem ]

seu pudor...



hercília fernandes



*Arte localizada no blog Branco no Branco.

Pétala


se ela fosse

rainha:
rosa

princesa:
tulipa

fidalga:
lírio

plebeia:
jasmim

: formosa
em qualquer jardim



*Mutação *

tela: anjo torto- Gabriela Bouechat

ainda que eu busque contemplar o belo
a imagem do espelho me revela
um ser em transformação
momento único, singelo
mutação

cuidados me consomem
dor aguda de pérola
forma estranha no recôndito da ostra
onde segredos se aninham e dormem
deserto que na concha se prostra

quero desbastar certezas
(nada é mais incerto que viver)
agigantar o olhar sobre a pequenez
quebrar defesas
encarar as vigas da tez

nada me distrai das indagações
que fermentam em mim
dos pensamentos em ondas revoltas
até a arrebentação... por fim

Úrsula Avner

Da ode à Eva


ave Eva,
cheia de curiosidade,
o senhor é convosco (ou não?),
bendita sois vós entre os humanos
e bendito é o fruto que comestes,
proibido.
mulher Eva,
cria de deus,
rogai por nós,
sedentos de saber,
agora e na hora
de nossa expulsão do éden, amém.



“(...) grande pecado maior de não ousar o supremo
pecado, para se constituir humano e só, 
e divisar a face una e resplandecente, no
abismo oposto, que é feito de luz e de perdão!”
[Lúcio Cardoso, Crônica da Casa Assassinada]

"Não há outro pecado além da estupidez."
[Oscar Wilde]

Do falo à fala

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Tela de Vicente do Rego Monteiro


Meio loucas, meio santas
Rimam alternância
                            Lua
                                Sol

Meio putas, meio mantras
Freud em si
                    Menor
                             Bemol

Da penumbra à(o) Alvorada
Fiam rapadura
        Dão a cara à tapa
                 Parem rouxinol


Lou Vilela 
in Nudez Poética
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