Poesia na escola
Substitui uma professora essa semana na disciplina de "Literatura na Escola". Fiquei pensando várias coisas que têm implicação aqui nos nossos blogs, por exemplo: quem é o nosso leitor? E, principalmente, como nos preparamos para sermos leitores de poesia? A primeira pergunta é mais fácil de ser respondida: somos nós, os autores, leitores de nossos poemas. Por uma razão clara, todos publicamos e divulgamos o nosso próprio texto. A segunda pergunta é um pouco mais complexa, e remete à escola e toda a problemática por trás.A experiência tem mostrado que a poesia não recebe espaço adequado nas aulas de leitura na escola.É um gênero literário cujas características são das mais variadas, podendo lançar mão de recursos semânticos, sintáticos e prosódicos.Especialmente nas séries iniciais, as rimas podem ser um recurso não apenas didático como também lúdico. A poesia infantil de Vinícius de Moraes cumpre essas duas funções, pelo menos.
O pato pateta
Pintou o caneco
Surrou a galinha
Bateu no marreco
Pulou do poleiro
No pé do cavalo
Levou um coice
Criou um galo
No entanto, pouco se tem visto professores com um trabalho regular com relação ao uso de poemas como método de ensino. Esse pouco investimento se dá na maioria das vezes em razão do prestígio que outros gêneros ocupam. Ela carece, portanto, de um olhar mais atento no que diz respeito às suas possibilidades e ganhos para os alunos.No ensino fundamental, por exemplo, a poesia deveria ser muito mais explorada. O trabalho de análise pela estilística e a própria sonoridade poderiam muito bem ser aproveitados para uma pedagogia diversificada, onde a valorização não acontece apenas pelo lirismo da obra, mas pela riqueza enquanto potencial de conteúdo. Veja no poema de Sérgio Capparelli (uma discussão sobre bullying, por exemplo).
Não xingue de porca a porca
Ela vai ficar zangada.
Nem diga "deu zebra" à zebra,
Para não ter zebra zebrada.
Ó lesma, não digaa à lesma,
Mesmo estando atrasada.
E burro, não diga ao burro,
Vai fazer uma burrada.
Mas és um estouro, diga à bomba,
ela explode de risada.
O pouco uso de poesia em sala de aula está ligado à sua circulação na sociedade atual. Há tentativas de resgate através de saraus e jograis, cantadores e repentistas e da musicalização de poemas. No entanto, são movimentos esparsos que não afetam a escola a ponto de interferir no ensino de massa. Os tantos blogs de poetas contemporâneos poderiam ser aproveitados para esse trabalho. Veja no poema infantil de Úrsula Avner como um trabalho de alfabetização pode ser feito.
Aranha escala a parede
arranha o teto
tece sua teia
É tiro certo
quando cai em sua casa um inseto
A aranha engole
o coitado do bichinho azarado
Porém, esse parece ser ainda um espaço invisível ao professor, tanto pela pouca divulgação dos blogs, como pela dificuldade tecnológica. Não obstante, a leitura como atividade social já é um problema a ser enfrentado em nosso país. A poesia, nesse caso, é mais uma conseqüência da pouca literatura do povo. Além disso, o que se nota é que a poesia aos poucos se afasta do cotidiano rumo `as academias, tornado-se manifestação de uma elite cultural que se quer responsável pelo saber. A maioria de nós, escritores de blogs poéticos, somos professores. O texto poético continua inacessível à maioria. Mas, se por um lado, o texto poético tende a ter um leitor específico, por outro lado é papel da escola formar esse leitor. Assim, voltamos ao início, qual é a medida de poesia na escola? Gostaria que a resposta fosse positiva, mas seu status, infelizmente, não é.
13 comentários:
Adriana, achei perfeita a análise do seu texto. Trabalhei com algumas escolas alguns de meus "poemas animais", englobando literatura, biologia, artes cênicas e plásticas. Foi muito interessante, mas ficou por aí... Não há iniciativa dos professores em relação a trabalhar poesia...
Enfim, parabéns a vc, que lê nas entrelinhas e cutuca as feridas, rsss. Beijo.
Oi Adriana,
Ótima temática abordada em sua postagem, sinalizando a imaportância de que haja maior valorização da poesia no ensino escolar, assim como é o caso da música, das artes, da filosofia que acabam sendo disciplinas secundárias, consideradas de valor menor dentro dos curriculuns
escolares. Na verdade , acho que este é um aspecto cultural que precisa ser reformulado.
Aqui em B.H existe um projeto chamado " Leitura para Todos " que resulta da parceria entre a Faculdade de Letras da UFMG dentro do Programa " A tela e o texto " e a B.H TRans, no sentido de propiciar aos passageiros de várias linhas de ônibus da cidade, a oportunidade de ler textos literários, como poesias, para incentivar o nível de leitura das pessoas, independente do grau de instução. Os textos são disponibilizados em plásticos que ficam amarrados ás alças traseiras dos bancos.
Nas escolas, acho que podem existir iniciativas semelhantes que reunam pais e alunos em momentos de lazer para escreverem e lerem poesias, como entretenimento e aprendizado.
Acho que a questão passa muito também pela ideia equivocada que as pessoas tem de que poesia é devaneio ou algo que não se consegue entender, apreender, decifrar... Algmas vezes já ouvi pessoas muito objetivas dizerem " Ah isso que vc está dizendo é poesia... " Como se não poesia não fosse algo sério, com fundamento científico.
Quantas vezes, quando vamos a livrarias, percebemos que o espaço concedido á poesia é mínimo frente a outros gêneros literários e há poucas opções de escolha, em geral.
Seria bom podermos falar mais sobre o assunto oportunamente.
Agradeço a sua gentileza em ter se referido a uma poesia minha na sua poestagem. Amo escrever para os pequeninos e fico feliz quando pedagogos(as) visitam o blog e se interessam pelo trabalho e muitas vezes me pedem autorização para fazer uso dos poemas nas escolas. é bem gratificante.
Um beijo,
Úrsula
Desculpe o erro de digitação- eu quis dizer... " como se poesia não fosse algo sério... " Bj,
Úrsula
Sidnei,
agradeço teu comentário.Nâo sabia que vc é professor também, e o melhor, dos antenados.Trabalhar poesia não é uma coisa simples, é altamente gratificante.No entanto, desvalorizada.Que bom q vc fez,admiro demais tua poesia.bj
Úrsula,
fico feliz que tenhas apreciado a post. Realmnte são esses incentivos como em BH que fazem valer a pena o ensino de poesia.Esse movimento de poemas nos ônibus e trens também temos aqui no RS, mas não sei pq as pessoas parecem não levar tão a sério, desmerecendo um trabalho tão bacana.]Quanto aos teus poemas infantis não é difícl escolher um para que sejam usados pedagogicamente, são todos excelentes. Embora eu não seja prof. de ensino fundamental essa discussão me toca.bj pra vc.
ADriana! Em primeiro lugar parabéns pela temática!
Embora mestra em literatura inglesa, desde a minha infância lia tudo que me caia nas mãos. Mas a poesia, e o que havia de oculto no pensamento poético se contrapunha ao que era explícito nos livros de literatura.
Sou e interpreto muito melhor a poesia que uma obra leterária.
Vinícius, Chico, Toquinho e tantos outros que se dedicam à poesia infantil , entre elas a Lou Vilella, se destacam e sempre terão espaço.
Como a música, a poesia segue e seguirá sempre. Há os que gostam de música contemporânea e os que sequer ouvem para apreciar o novo.
Das cantigas de roda às músicas de Páscoa e Natal, prevalece sempre a poesia.
Este é meu ponto de vista.
Parabéns!
Beijos
Mirse
É verdade, sempre me senti um peixe fora d´água por ser uma das poucas a ler e escrever poesia na minha época de escola. Às vezes meus colegas diziam que poesia era chata, sem graça, mas se eu resolvia ler algum poema de algum grande poeta ou até um poema meu mesmo e mostrar como era legal poder expressar coisas cotidianas em metáforas, e como isso enriquecia nossa vida, nossa imaginação, as pessoas até começavam a gostar e quebravam um pouco esse preconceito. Até começavam a arriscar alguns versinhos e me mostravam. Era super legal. O incentivo é muito importante. Havia professores que eu mostrava meus poemas e não recebia incentivo deles, outros já me ajudavam muito. Como aqui nos blogs. Receber e escrever comentários é a melhor forma de incentivar e buscar crescer.
Muito bom vc ter abordado isso, Adriana.
Beijos!
Mirse,
Origada pelo comentário, vc é mestre em língua inglesa, ou entendo mal?
Lara,
Acho q isso acontece com os poetas, eles escrevem desde pequenos, está no sangue,rs.Que bom q vc teve paciência de ler até o final, acho q estamos todos interessados nos nossos (possíveis)leitores.
Trabalho com jovens e adultos e sempre procuro incluir a poesia nas minhas aulas. às vezes , poemas conhecidos, outras, variações sobre um mesmo tempo com poetas diferentes, sejam cl´sssicos ou contemporâneos. E o resultado é sempre positivo. Gostei bastante de seu texto e acho que vale a pena, embora a poesia não tena medida. beijo.
Gostei da temática e da forma que foi explorada!
Beijos
A cor do céu...
a cor de dentro...
Bjs
Belo texto. As poesias, dão as crianças uma outra maneira de aprender. Aqui em Jaraguá do Sul, temos o concurso de declamação, sempre am agosto. é muito legal. desde os primeiros anos até o 9ª ano.
a secretaria de cultura, promove entre os pequenos até o ensino Médio, incluido os da terceira idade.
É um verdadeiro show de poesias.
Com muito carinho
Sandra
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