Sem chegar...
Maré imunda,
encardida,
de infortúnios –
onde eu navego
e navego,
sem a nenhum lugar
chegar.
Eita, maré de azar.
caminho o mundo feito caranguejo
eternas são as voltas ao ângulo de partida
onde o porvir nasce lateral e arcaico
não é fácil destituir ponto determinado
não é fácil enfrentar feras e feridas
não é fácil tornar luxo pardieiro
às vezes, sinto-me sem chão, sem seio
e meus dias, espero contados...
(fragmento)
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro.
Estraga prazer
(notas de explicação que ninguém pediu...)
A lírica moderna tem raízes no Romantismo, cujos poetas estavam convictos de que a vida não poderia ser explicada unicamente pela “mecânica do relógio”.
A história do movimento romântico coincide com o surgimento das grandes revoluções como a Revolução Francesa; embora tenha sido na Alemanha, por volta de 1800, que o termo “Romantismo” tenha recebido as primeiras acepções artísticas com Schiller (1759-1805) e, sobretudo, Goethe (1749-1832).
Ao invés da lógica e da estética reinante inspirada na tradição clássica, os artistas desejavam a plena liberdade da criação, evocando a espiritualidade e o sentimento profundo. O romantismo criticava a primazia da razão do pensamento ilustrado do século XVIII e postulava a prioridade do subjetivismo do eu individual em oposição ao conhecimento objetivo e as verdades absolutas, fazendo apelo “[...] ao élan da imaginação, às forças do sonho e da paixão” (MUCCI, 1999, p. 118).
No Brasil, o movimento romântico foi se definindo a partir de 1836 com a publicação de Suspiros Poéticos e Saudades, de Gonçalves Magalhães, e coincidiu com grandes eventos da História, dentre eles a vinda da Família Real Portuguesa, em 1808.
A literatura romântica brasileira fora impregnada por ideais nacionalistas. A natureza selvagem, o índio como símbolo nacional, o sertão, o regionalismo, a vida urbana e o recente episódio da independência contribuíram para manter aceso o espírito romântico que convergia com os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade da Revolução Francesa.
Entretanto, nas últimas décadas do século XIX, acentuam-se na poesia romântica as influências de Byron e Musset, dentre outros, modeladas dentro da essência mórbida do “mal do século”, configurando a segunda geração romântica.
Um dos poetas brasileiros que absorvera o espírito pessimista do mal do século foi Álvares de Azevedo que desenvolvera temas mórbidos, angustiantes, melancólicos; expandindo em versos o individualismo e subjetivismo comum à sua época que, além da imaginação criadora, expressavam o mal-estar dos artistas e intelectuais diante a nova ordem social estabelecida pós-revolução industrial.
Na atualidade, o avanço tecnológico, a globalização, a complexidade dos meios de comunicação e produção, bem como das relações humanas, têm contribuído para formar uma nova subjetividade pautada no individualismo exagerado, no acúmulo de saberes e habilidades técnicas, que, por sua vez, geram novas exigências à condição humana; originando um clima de "incertezas" perante o caos que a racionalização pós-moderna, ou melhor, a "sociedade do conhecimento" produz (MORIN, 2003).
Porém, conforme se pôde ler nos versos da poetisa carioca Bina Goldrajch, destaca-se na Blogosfera uma produção poética que exprime certo pessimismo e descontentamento diante este estado de coisas, que por sua vez resiste à mecanização dos sujeitos e à bipolarização da natureza humana; questionando, além do curso do eu-subjetivo, o próprio destino da humanidade.
Referências
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1972.
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita. Repensar a reforma, reformar o pensamento. 8. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
MUCCI, Latuf Isaias. A concepção romântica de arte. Ipotesi: revista de estudos literários, Juiz de Fora, v. 3, n. 1, 1999, p. 117-131.
*Imagem extraída do blog Deglutição de pensamentos,
da poetisa Bina Goldrajch.
11 comentários:
Se a poesia é voz, não tem como emudecer diante desta realidade descontente.
Todas as três poesias têm a sua beleza particular!
Hercília, teu post é sempre muito rico de informação e de beleza poética e isso só serve para nos provar que, apesar do pessimismo que paira por aí, ainda há muita luz no fim do túnel!
Parabéns, Gurias!
Bjssss
I Love!
Sim, Wania... poesia é grito, como acenou Cecília Meireles, embora seja transfigurado.
Grata por sua visita e comentários sempre muito sensíveis e elaborados.
Forte abraço,
H.F.
Bardo,
i love too!
Kiss,
H.F.
Hercília!
Como é bom ler sua poesia!
Em qualquer maré, navego junto com você.
Magníficos poemas e explanação, que eu pediria, caso ninguém pedisse!
Beijos, amiga
Mirse
Oi Hercília,
os três poemas postados são belos e bem afinados quanto á proposta do tema. É gratificante pensar nas formas de arte como a poesia e a pintura, enquanto significativos instrumentos para a expressão de sentimentos e valores de uma época, de um tempo, de uma cultura. A sua dissertação literária, sem dúvida é muito rica e instrutiva, como de costume.
Bj e parabéns pela excelente postagem !
Mirse,
me alegra saber que apreciou a postagem simplesmente poesia (17).
Há muito o que falar sobre pessimismo e descontentamento na poesia contemporânea. Pretendo continuar com este tema em outras postagens, prosseguindo o debate.
Muito obrigada por seu carinho e palavras expressas.
Um forte abraço, minha amiga.
Beijos :)
H.F.
Obrigada, Úrsula.
É sempre muito gratificante escrever para este quadro no Maria Clara, assim como aprecio bastante realizar as leituras dos artigos de vocês.
Me alegra muito saber que você apreciou os poemas e a breve análise temática.
Um forte abraço, minha querida!
H.F.
Hercília,
Muito bom post mais uma vez. Leio com bastante fluência teus textos, pela falsa simplicidade com que escreves.Acho uma delícia te ler....na poesia o teu "pessimismo" está ótimo, sabes bem lidar com as palavras para dar efeito.A "aula" sobre romancismo é sempre bem vinda para nós que queremos ser poetas, quanto mais, melhor. Bom, quanto a poeta Bina, embora tenha gostado do poema, não concordo que a blogosfera seja um espaço para a poesia pessimista como centralizadora. Acho que um dos ganhos da cybercultura é justamente essa democracia, essa pluralidade de ideias.Na poesia vejo sonetos,vejo pós-modernidade, vejo poetrix concreto, poesia visual,enfim, há essa multiplicidade de formas que fazem esse universo caótico organizado.Vale a disucssão para nós, que afinal estamos a fazer esse universo.bj,querida!
Hercília,
Muito bom post mais uma vez. Leio com bastante fluência teus textos, pela falsa simplicidade com que escreves.Acho uma delícia te ler....na poesia o teu "pessimismo" está ótimo, sabes bem lidar com as palavras para dar efeito.A "aula" sobre romancismo é sempre bem vinda para nós que queremos ser poetas, quanto mais, melhor. Bom, quanto a poeta Bina, embora tenha gostado do poema, não concordo que a blogosfera seja um espaço para a poesia pessimista como centralizadora. Acho que um dos ganhos da cybercultura é justamente essa democracia, essa pluralidade de ideias.Na poesia vejo sonetos,vejo pós-modernidade, vejo poetrix concreto, poesia visual,enfim, há essa multiplicidade de formas que fazem esse universo caótico organizado.Vale a disucssão para nós, que afinal estamos a fazer esse universo.bj,querida!
Adriana,
muito grata por sua leitura e sempre calorosas palavras. É muito gratificante essa troca de olhares e poéticas.
Quanto à questão da Blogosfera, o que quis elucidar é que há, também, no espaço virtual uma produção poética que questiona e resiste à mecanização dos sujeitos provocada pela produção excessiva de conhecimento e "superespecialização" (Edgar Morin), o que remetem a novas exigências à condição humana.
Não foi minha intenção colocar a poesia pessimista e/ou o pessimismo como centralizadores na Blogosfera, mas destacar que existe também uma produção poética que evidencia certo pessimismo em relação ao momento presente e, sobretudo, ao destino do homem diante esse caos "ordenado" de coisas...
A poesia de Bina, que acompanho já há algum tempo e adoro verdadeiramente, tem essa natureza de reflexão e questionamento. Além de um apurado lirismo, destaca-se uma preocupação maior com a condição humana.
Muito lhe agradeço por essa boa oportunidade de diálogo.
Um forte abraço,
H.F.
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