Amor de rendição



Se te sou motivo
de desagrado,
porque vivo
a te pedir
palavras
de apaixonado,
por que te manténs,
com tantos poréns,
enfim,
ao meu lado?

É assim
que amo
e bem conhecias
esses meus modos
de século antepassado:
o apego às poesias,
o apreço pelo fado,
o sossego das mãos
em repouso
no avesso do bordado.

Vazias,
mas sempre ao aguardo
de um afago
mais que querido,
tido por inesperado,
que te ponhas
a meus pés
rendido
e em minhas fronhas
enamorado...


Renata de Aragão Lopes


Poema publicado anteontem no Doce de Lira.

Imagem: A Girl Reading in a Sailing Boat,
de Alfred Chantrey Corbould, 1869.

9 comentários:

Renata de Aragão Lopes disse...

Escrito para o Maria Clara.

Márcia de Albuquerque Alves disse...

Renata que poema lindo, tão romântico ao confessar o desejo de atenção a mais.
ADorei, bjs

Joaquim Maria Castanho disse...

Vigésimo Cálice

Arina, rainha dos astros e sóis
Que nos aquece e jamais esquece
Quem ama, se da tarde os atóis
Se inundam, eis que singela se oferece
E declama, como à luz de sua chama, nos tece.

E nos tem, sob protecção e tutela
Quando ao troar das trombetas liberta
O passado de seu túmulo e ao tempo acerta
Dando ao futuro o acumulo duma janela
Aberta, lente virtual que nos modela
Em alerta acenado A deus
Erguendo as mãos aos céus
Como Ela.

Dez dedos que são os nossos
Com outros dez que são os seus,
Depondo no alfabeto águas e ossos
Qual Xis a bailar ondeando véus
De gazes, de tules, de seda rosada
Estampados dédalos e labirintos
Cujas pétalas desenhadas camada
A camada, nos instruem os instintos
Nos sete sentidos da rosa desfolhada:


Olhar de pétala, lábios de veludo
Táctil cálice cuja sépala escuta
A concha do mar a degustar o escudo
No registo do Outro que tão-só executa
A empatia ao semear-nos pelo mundo.

E assim, água ardente vertida de oceano
Em oceano, sistema de líquido contínuo
Irriga-nos de sangue todo o ano
Por uma gota de momento exímio
E exíguo no equilíbrio suserano
De dois triângulos unidos pelo vértice
Da língua, enlaçadas margens do cálice
Na máxima míngua do estremecido ápice.

Comunhão do poder entre géneros
Acesos raios aquilinos do Sol universal
Onde o abraço resoluto das sementes e sócios
Gémeos nascidos da mesma luz na espiral
Em que os ócios merecidos são do labor igual
Além de mais igualmente da natureza – os números
Que põem e dispõem, ordenam o nível
Entre o lido e o por ler, o eterno e o perecível;
Entre o terreno e o espiritual, a matéria e o imortal

Unknown disse...

Lindo, Renata!

"O sossego das mãos em repouso no avesso do bordado"

Belíssimos versos que completam o todo da rendição de amor.

Parabéns!

Beijos

Mirze

Úrsula Avner disse...

Oi Renata,

Um " doce de Lira " em versos encantadores...Bj,

Úrsula

Anônimo disse...

Renata e sua sensibilidade palpável.

Beijos, moça.

ONG ALERTA disse...

A magia do amor, paz.
Beijo Lisette

Renata de Aragão Lopes disse...

Sim, Albuq! Trata-se de uma confissão extremamente íntima.

J Maria Castanho, obrigada por nos trazer seus versos!

Querida Mirze, realmente acredito que sou de outros tempos! (risos)

Úrsula, muito grata por me atribuir, verdadeiramente, o título de confeiteira! : )

Larinha, guardarei este terno elogio em um envelope...

Lisette, a magia não é imprescindível ao amor?

Um beijo especial a todos vocês!

Hercília Fernandes disse...

Lindo poema, Renata.

A natureza confessional dos versos nos faz adentrar nas ânsias e vontades que permeiam o feminino que parecem resistir à erosão do tempo.

Muito gostei, destaco também a beleza da pintura. Uma mulher lendo é sempre um universo [múltiplo] a se contemplar.

Um forte abraço,
H.F.