Florbela Espanca


Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher todo o mundo ! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho ... E não sou nada! ...



Ser poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
é condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!



Eu ...

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!



Amar!

Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!

E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...




Textos extraídos do site “Jornal de poesia”: http://www.revista.agulha.nom.br/flor.html


3 comentários:

Hercília Fernandes disse...

MC [Posso chamá-la assim?],

Seja muito bem vinda no universo “bloggeniano”! Sua postagem inicial com poemas de Florbela Espanca está, esteticamente, trans-lúcida; o que evidencia o seu bom gosto literário!

Também admiro bastante a obra da bela poetisa portuguesa, e você escolheu alguns dos seus melhores sonetos. Como o texto “Vaidade”, onde Florbela exprime todo o seu encantamento, sonhos e ambição; mas, simultaneamente, o desencantamento gerado pela in-certeza de ser a beleza poética um sonho fugidio, in-confesso e inalcançável (?!)...

Parabéns por sua sensibilidade na construção de seu blog, gostei bastante!
Felicidades, HF.


P.S.: Sinta-se a vontade para escolher, e postar, algum dos textos do “HF diante do espelho” para integrar essa bela aquarela, e/ou melhor, “simplesmente poesia”!...

Maria Clara disse...

HF,

que prazer recebê-la aqui! Pode me chamar sim..., se assim o desejar! rsrs...

Criei o blog para ficar mais próxima desse universo de poesia, que adoro!

Seja sempre bem vinda, continuarei visitando o seu espaço regularmente.

Abraços, Maria Clara.

Marcelo Novaes disse...

Olá, Maria Clara!

Esses vôos kamikazes dados em sonetos,
esses travos transformados em beleza,
essas dores ósseas, medulares,
suspensas em
saltos
ornamentais,
essa boca que quase
escarra como Augusto
dos Anjos,
e só não o faz por
"delicadeza",
tudo isso faz de Florbela
Espanca
sua estréia mais-que-perfeita.

Parabéns!

Marcelo Novaes